Vazamento no campo de Frade provoca atritos dentro da PF

Data: 18/12/13

 

Pouco mais de dois anos após o primeiro dos dois vazamentos de petróleo da Chevron, no Campo de Frade, na Bacia de Campos, três peritos e um delegado da Polícia Federal (PF) que atuaram no caso ainda divergem sobre a investigação e se enfrentam em acusações oficiais, protegidas em segredo de Justiça. Três peritos federais que atuaram no caso tiveram atividades investigadas pela PF. Agora o delegado também responde a inquérito para avaliar sua conduta no caso.



O Valor teve acesso ao relatório de uma sindicância investigativa interna da PF aberta a pedido do delegado presidente do inquérito, Fábio Scliar, contra a atuação dos três peritos federais - Emiliano de Oliveira, Rosemery Almeida e Lenildo da Silva Junior - na elaboração de laudo sobre o derramamento de óleo. Instaurada em 31 de agosto de 2012 e concluída em 2 de agosto deste ano, a sindicância concluiu que o laudo foi elaborado de forma indevida e recomenda a instauração de processos disciplinares e inquéritos contra os peritos.



Em depoimento na sindicância, Scliar defendeu que solicitou aos peritos federais que fizessem um laudo indireto sobre o vazamento, com base em documento pericial já elaborado por peritos externos, nomeados por ele em caráter de urgência.


Mas, segundo Scliar, os três peritos fizeram um segundo laudo, sem que fosse solicitado, além de visitar o local do acidente usando o nome de Scliar "indevidamente". Ainda segundo o delegado, os peritos federais foram ao local mais de um mês após o vazamento, quando indícios mais explícitos do petróleo haviam sumido.


Perita federal responsável pelo laudo do caso Chevron, Rosemery Almeida contradisse Scliar em seu depoimento na sindicância. "Em momento algum o DPF Fábio Scliar solicitou que o laudo fosse feito de forma indireta", disse a perita. Além disso, a sindicância diz que Rosemery afirmou não se lembrar de que Scliar teria dito que a ida à plataforma era desnecessária.


Procurada pelo Valor, Rosemery disse que a sindicância foi arquivada pela superintendência da PF, no mês passado, e que está tranquila quanto às acusações já que, segundo ela, o trabalho foi feito de acordo com a Lei 12.030/2009, que assegura aos peritos criminais autonomia técnica, científica e funcional.



Rosemery afirmou que os peritos têm autonomia para determinar como devem proceder em investigações. Segundo ela, a perícia decidiu que deveria visitar o local do acidente para entender os danos que ocorreram e que, para ser imparcial, não leu o laudo dos peritos externos.



Agora é Scliar que está sofrendo uma investigação. Rosemery, que também é diretora da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) no Rio, revelou que a associação entrou com representação contra a conduta do delegado no caso no Ministério Público Federal (MPF), ano passado, que acatou a denúncia e determinou a instauração de inquérito na PF para investigar o Scliar, ainda sem decisão.


A denúncia consiste em possível conduta delituosa do delegado na nomeação supostamente ilegal de um perito "ad hoc" (que seria perito externo não pertencente ao quadro da PF) para a realização de laudo de impacto ambiental em Frade. O MPF e a PF disseram que não vão se manifestar sobre as investigações, já que correm em segredo de Justiça.



Os especialistas externos que atuaram como peritos "ad hoc" são David Zee, da UERJ, Paulo Alexandre Souza da Silva, da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e Fernando Augusto Galheigo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). O Ibama, a ANP e a Chevron também preferiram não se manifestar.


O embate entre os agentes federais explodiu, segundo uma fonte, porque o laudo desenvolvido por peritos federais seria menos rígido em relação aos danos ambientais do que o dos peritos externos. O relato de Scliar na sindicância contra os peritos diz que ele nomeou peritos "ad hoc" por não haver, no dia em que conheceu o vazamento, peritos federais disponíveis.


"As autoridades do Ministério Público e da Justiça foram enganadas por um documento [o laudo dos peritos federais] que contém graves erros técnicos", disse Scliar, em nota, ao Valor. "É muito difícil brigar com o sistema e com grandes empresas, isso gera todo o tipo de perseguições."


O delegado disse ainda que não é "covarde ou carreirista" e que seu papel é defender a sociedade. "Não é a primeira vez que sofro pressões políticas ou sou perseguido por não ter cedido a elas, foi assim nos casos das privatizações das telefônicas e da Eletropaulo, nos casos envolvendo fundos de pensões ou na recuperação das obras de Matisse na Argentina entre dezenas de outros casos finalizados com indiciamentos dos envolvidos feitos por mim, mas que até hoje não encontraram uma solução final e não está sendo diferente nesse caso", declarou Scliar.


Os vazamentos da Chevron aconteceram no Campo Frade em novembro de 2011 (com o despejo de 3,7 mil barris de óleo) e em março de 2012 (com o vazamento de 25 barris). Após cada um dos vazamentos, o MPF em Campos moveu uma ação civil pública com pedido de indenização de R$ 20 bilhões contra a Chevron e a Transocean.


O processo cível, que foi movido para a jurisdição do MPF no Rio, foi resolvido em outubro deste ano, quando a Justiça homologou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que prevê que a Chevron empenhe R$ 95 milhões em medidas ambientais compensatórias. Procurada para falar sobre as divergências na PF, a Transocean preferiu não comentar o assunto.


Ao Valor, a procuradora do MPF no Rio, Gisele Porto, responsável pelo TAC, explicou que a decisão do processo cível foi feito com base em um terceiro laudo, elaborado pelo Ibama. "Se dependesse desse impasse [da PF] não tinha como [chegar ao TAC]. É porque depois veio o laudo do Ibama", afirmou. O laudo do Ibama disse que os danos ambientais do vazamento são esperados, significativos e reconhecidos, porém não passíveis de comprovação material.


Mas ainda há um processo criminal sem decisão. Após o segundo vazamento, o MPF em Campos formalizou denúncia criminal contra as empresas Chevron e Transocean e 17 de seus executivos, por crime ambiental e dano ao patrimônio público, também enviada para a jurisdição do Rio. Neste caso, o juiz não aceitou a denúncia e Gisele Porto recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF), ainda sem decisão.

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