Por uma Polícia desmilitarizada e cidadã

Data: 21/01/14

 


As discussões sobre o modelo de polícia que o Brasil precisa deveriam se pautar nos interesses amplos do País e dos brasileiros. Afinal, a baixa confiança nas forças policiais tem impacto na política, na economia e na sociedade. Na política, ao gerar um descrédito nas instituições e nos políticos, tendo como consequência uma confusão de valores éticos e morais e uma descrença no próprio sistema democrático de representação. Na economia, ao fomentar uma falta de perspectiva e de confiança que se traduz em redução nos investimentos internos e externos, além de representar uma grande parcela do chamado custo Brasil. Na sociedade, ao semear sentimentos de medo, de revolta, de descrédito e de frustração, já que as garantias aos direitos humanos inscritas na Constituição de 1988 não são acessíveis a todos, em especial aos pobres e aos trabalhadores das classes menos favorecidas.


Na realidade, o País atingiu um grau de desenvolvimento que não comporta a manutenção de um sistema policial concebido em tempos de exceção e de pouca participação democrática. O processo de militarização das forças policiais estaduais, por exemplo, se iniciou na revolução de 30 e se aprofundou durante a ditadura do Estado Novo. Foi a Constituição de 1937 que atribuiu à União a competência de legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantia das forças policiais dos Estados e sua utilização como reserva do Exército. E foi o Regime Militar, por meio do Decreto-Lei nº 1.072/1969, que consolidou esse modelo ao atribuir à Polícia Militar a competência exclusiva do policiamento ostensivo nos Estados. Vale destacar que as reformas impostas pelos governantes desses períodos autoritários não visavam melhorar a atividade policial propriamente dita, e sim garantir a concentração de poderes nas mãos do Governo Federal e fortalecer o combate aos seus adversários políticos.


Ressalta-se ainda que, na Subcomissão da Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, houve intenso debate sobre a desmilitarização da Polícia Militar. Mas o medo acabou prevalecendo, já que a Constituição de 1988 foi concebida sob a influência majoritária de partidos conservadores. Além disso, houve muita pressão por parte dos militares que temiam colocar grandes contingentes armados nas mãos de governadores estaduais que representavam ameaça à doutrina de Segurança Nacional.


No entanto, se for analisada a situação do Brasil contemporâneo, onde prevalece um Estado hipertrofiado e uma polícia burocrática, ineficiente e violenta, não resta dúvida que os termos da equação se modificaram e que a sociedade não aceita mais um papel de coadjuvante. As mudanças devem priorizar os anseios do cidadão por paz, segurança e justiça. Não há mais espaço para a defesa de antigas ideologias, deslocadas da realidade brasileira do século XXI. Deve-se buscar a eficiência e a garantia aos direitos essenciais à vida, à liberdade e à segurança. Lembrando que, em 2013, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), para integrar a 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apurou que 70,1% da população não confia no trabalho das diversas polícias no País. Ou seja, não dá mais para esconder a sujeira debaixo do tapete.

 


Uma alternativa viável e modernizadora já está sendo debatida no Congresso e na sociedade. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição nº 51/2013, a qual representa uma oportunidade real de mudança de paradigma no sistema policial brasileiro. Essa proposta apresenta pontos que, a médio e longo prazo, poderão viabilizar a implantação no Brasil de uma estrutura policial segundo padrões internacionais de qualidade. Em síntese, a PEC 51 apresenta as seguintes características principais: Desmilitarização da Polícia Militar (o cidadão não pode ser visto como inimigo), carreira única (oportunidade para o crescimento profissional por mérito), ciclo completo do trabalho policial (atividades de polícia preventiva, ostensiva e investigativa integradas para aumento da eficiência), polícias estaduais sendo geridas pelos Estados (modelos adequados às diferentes regiões do País e mais flexíveis) e Ouvidoria Externa (com a participação de cidadãos não integrantes da carreira policial).



Os principais especialistas na matéria, juristas e pesquisadores das melhores instituições de ensino do País já se manifestaram a favor dessa proposta. Além deles, entidades como a Anistia Internacional, o Conselho de Direitos Humanos da ONU e o Departamento de Estados dos Estados Unidos se posicionaram em defesa de uma polícia desmilitarizada e cidadã. E, recentemente, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) manifestou-se favoravelmente à PEC 51, por meio de nota técnica encaminhada ao Senado. Por outro lado, os opositores à modernização das forças policiais vêm agindo como John D. Rockefeller fez no final do século XIX. Inconformado com o projeto de iluminação elétrica de Thomas Edison, que tornava obsoleta a iluminação a querosene (produto de sua empresa Standard Oil Company), Rockefeller atacou o novo serviço usando propaganda que despertava medo na população. Mas essa estratégia não funcionou no passado, nem deve funcionar agora. Afinal, os avanços sociais e econômicos alcançados pelo País precisam ser refletidos na área da segurança pública. Para o bem do desenvolvimento do Brasil. Para o bem da cidadania e dos direitos humanos dos brasileiros.

 

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