Queiroz: 'PF age a favor de corruptos'.
Data: 24/02/14
O ex- delegado da Polícia Federal (PF) e atual deputado federal pelo PCdoB, Protógenes Queiroz, afirmou, em entrevista ao Diário do Comércio, que a PF está “"paralisada" por interesses de grupos políticos infiltrados em sua alta cúpula. Segundo Queiroz, a PF virou um órgão que protege instituições financeiras, empresários e políticos corruptos e tem, junto com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), "capacidade nula" de evitar ameaças de terrorismo e espionagem. "Não existe mais o setor de inteligência contra terrorismo na PF, a Abin está sucateada, com poucos profissionais e sem orçamento. É só nomenclatura."
Em contrapartida, o deputado nega que a PF tenha feito algum dossiê contra políticos e desafetos a mando de dirigentes, como afirmou o ex-secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior em seu livro "Assassinato de Reputações", lançado no final do ano passado. "Nunca teve. A Polícia Federal sempre investigou, nunca formatou dossiê". Leia a íntegra na entrevista:
DC – O senhor fala que o livro "Operação Satiagraha" é uma defesa. Defesa do quê e por qual motivo?
Protógenes Queiroz – É uma defesa do Estado brasileiro, do povo brasileiro, porque o País vive momentos muito difíceis. Em 2008, a Polícia Federal entrou em declínio, quando começaram a sabotar a Operação Satiagraha e a controlar a alta cúpula da PF de forma leviana. No livro eu detalho e revelo essas entranhas: o Daniel Dantas não foi preso até hoje pelo seu maior crime, que é de desvio de dinheiro público. E isso não foi apurado até hoje, ele não foi condenado no Mensalão, ele abastecia as contas do Marcos Valério, mas foi poupado. Todos os que foram condenados no Mensalão são bodes expiatórios. O livro mostra toda a minha agonia porque fui boicotado e só hoje consigo me defender. Quando surgiram os protestos ano passado e as incertezas em relação à política, pensei: "Tenho que colocar toda a história do Daniel Dantas em um livro, mostrar o quanto ele domina" - processos contra ele no Supremo não andam até hoje.
DC – O senhor fala no livro que sofreu ameaças durante a Operação Satiagraha. Elas continuam? Quem o senhor crê que seja o autor delas?
PQ – É um sistema invisível, não dá para apontar: "é o Daniel Dantas". Mas eu continuo sendo ameaçado, vigiado, continuo recebendo anonimamente ameaças, por telefone, a minha família também é ameaçada. Eu tenho um filho que mora fora do Brasil e é duro para mim. Ele sofreu muito durante a Operação Satiagraha, policiais armados cercaram o carro dele e perguntaram se ele não tinha medo de morrer porque era filho do delegado Queiroz. Depois invadiram o apartamento dele pra revistar, ele tentou pular da janela porque pensava que iam sequestrá-lo. Avisei a Polícia Federal na época, formalizei por escrito, mas ninguém investigou. Hoje as ameaças vêm de colegas da PF, ainda ontem um colega veio: "Olha, chefe, tenho que te comunicar o que está rolando na rua". Disseram que estão me escutando em vários ambientes e se eu não for reeleito deputado federal, eles vão me executar onde estiver.
DC – O senhor se tornou deputado federal por causa da imunidade política?
Queiroz – Não, de forma nenhuma. Eu nunca pensei em ser parlamentar, mas as pessoas começaram a me perguntar porque eu não me candidatava, o PSol me convidou para entrar no partido.
DC – E por que o senhor saiu do PSol?
PQ – Eu não me sentia seguro lá. Eles têm muitas correntes políticas que começaram a entrar em conflito. Queriam que eu fosse candidato na Bahia, queriam que eu me candidatasse à Presidência, depois a governador no Rio Grande do Sul, vi que não era isso, eu queria estar no Congresso. Fui para o PCdoB, que não tem várias correntes políticas como o PSol e lá eu vi que a minha vontade seria respeitada.
DC – O senhor fala no livro que grupos políticos ligados a Daniel Dantas conseguiram "controlar" a Polícia Federal . No livro "Assassinato de Reputações", o ex-secretário nacional de Justiça, Tuma Júnior, afirma que a Polícia Federal é usada para fabricar dossiês de políticos. O senhor confirma? A Polícia Federal é ou foi usada para fins políticos?
PQ – Nós nunca fizemos dossiês contra ninguém, nunca teve na Polícia Federal, nós sempre investigamos, nunca formatamos dossiês. Mas a Polícia Federal virou, e é hoje, basicamente, uma instituição de interesses de grupos políticos infiltrados na alta cúpula. Ela não consegue se livrar desses grupos. A revelação maior disso é que pessoas que tentaram impedir a execução da Operação Satiagraha estão na cúpula da Polícia Federal. A própria Corregedoria de Polícia da Polícia Federal, que deveria ser independente, não é. Ela deveria estar abrindo vários procedimentos internos para apurar o superfaturamento na compra de material por parte da má gestão do Luiz Fernando Corrêa e não tem nada. Isso demonstra que nos dias atuais esse poder é ainda muito dominante, nem a presidente Dilma conseguiu desestruturar esse grupo dentro da PF, que se encastela nela desde 2007. Com a entrada de Luiz Fernando Corrêa na direção, em setembro de 2007, começa-se a fazer coisas totalmente anti-Polícia Federal, como diminuir número de operações de combate à corrupção e desvio de dinheiro público e aumentar combate a drogas e a roubo de bancos para proteger instituições financeiras. Hoje a PF tem viés de combate ao narcotráfico e roubo a banco. Esse sistema começou a se encastelar quando entrou o advogado Tarso Genro no Ministério da Justiça e o Luiz Fernando Corrêa, na direção da PF, ambos começaram a paralisá-la.
DC – No livro, o senhor fala de "corporações internacionais interessadas em desestabilizar o governo". A Abin e a PF tinham conhecimento dessas atividades?
PQ – Revelamos em 2009 que a Kroll era contrata por grupos interessados em espionar autoridades públicas, aprendemos material e intercepções clandestinas feitas a mando de Daniel Dantas. Aprendemos também o contrato do banqueiro com a empresa, mas ele foi inocentado pelo Tribunal Regional Federal. A Kroll é norte-americana, é uma base da CIA no Brasil. Os dados que Edward Snowden revelou não são novidades nem para a Polícia Federal nem para a Abin.
DC – E porque não se fez nada a respeito?
PQ – Porque a nossa inteligência é tupiniquim. Eu trabalhei em crises na Câmara dos Deputados e no Senado, quando tinha ameaças externas como essa, mas isso nunca foi considerado de muita importância. A Abin não tem um status de respeito dentro do Estado brasileiro, ele á uma agência como se fosse uma agência de banco. Não tem orçamento, não tem funcionários suficientes, ela não age rapidamente.
DC – Com a experiência que o senhor teve, pode avaliar qual é a capacidade real do Brasil lidar com a espionagem e combater ameaças como terrorismo?
PQ – Capacidade nula. Eu fico impressionado porque a presidente Dilma Rousseff é sempre a última a saber. Ela não se antecipa em nada porque a Abin não tem estrutura para isso. A inteligência no Brasil está totalmente caótica, a própria inteligência contra terrorismo da PF não funciona, não existe mais. O que existe de inteligência é plano emergencial, que quando dá certo é por obra e graça do Espírito Santo.