Crônica de uma morte anunciada

Data: 14/03/14

 

 

No início, em 1985, conheci uma Polícia Federal em fim de regime militar no Brasil, com todos os resquícios de autoritarismo e falta de democracia inerentes àqueles anos chamados de "anos de chumbo".



Jovem e idealista planejava concretizar o sonho de colaborar para uma sociedade melhor e mais justa. Minha paixão com a vida policial me fazia trabalhar com entusiasmo, sem me preocupar com a saúde e sem dar a devida atenção as pessoas que me amavam. Campana a noite toda e flagrante no dia seguinte eram bônus e adrenalina para fazer sorrir o ingênuo policial que queria mudar o mundo, afinal se preciso fosse, ficaria dias sem dormir, comendo mal, sujo e colocaria minha vida em perigo atendendo apenas uma solicitação para combater o crime.



Em 1986, o namoro com minha vida policial sofreu da primeira desilusão. Trabalhei como um louco contra os comerciantes que "atrapalhavam" as medidas de controle inflacionário do plano cruzado, pois acreditava que os ares democráticos da abertura pós militarismo, apoiado em um governo que se dizia sabotado pelos poderosos, precisava de todos os cidadãos de bem e de todas as forças policiais para que tudo funcionasse a contento e o Brasil enfim pudesse livrar-se do fantasma da inflação e finalmente cumprir seu destino em ordem e com progresso. Ledo engano, aproveitou-se o governante de plantão para esticar a corda do ufanismo instalado pela propaganda enganosa da derrota do dragão da inflação até a próxima eleição e assim manter-se no poder.



Como se diz por aí, foi ruim, mas foi bom! Aprendi a não confiar mais nas propagandas de governos, a olhar com olhos investigativos as ações políticas e isso só trouxe maiores desilusões.



Mas como no amor tudo se perdoa, segui em frente e o foco se voltou aos criminosos. Agora sim, trabalhar sem ´pestanejar, arriscando tudo, sem pensar direito, defendendo a sociedade de suas mazelas. E novas desilusões vieram com a demora nos Inquéritos policiais, no andamento dos processos e nas audiências de julgamento aonde as famílias dos presos me olhavam com ódio e a sociedade primeiro com temor e depois com descaso, claro, desde que não estivessem precisando de polícia. Mas como me dizia um antigão, só quem gosta de polícia é a mãe dele, o amor continuava a perdoar.



As desilusões não me levaram em momento algum a desistir do ideal de uma sociedade melhor e mais justa.



A falta de estrutura, o amadorismo, a falta de gestão e todos os outros entraves tornaram-se obstáculos a serem superados com trabalho e profissionalização.



Constituição nova, sindicalismo e a Polícia Federal tomou novos rumos. Começou a sonhar em ser um F.B.I (federal bureau of investigation) brasileiro.



Enquanto caminhávamos nesta direção a PF viveu seus maiores momentos de glória e de popularidade. Causou grandes estragos no crime organizado, prendeu corruptos e afetou governantes de plantão. Ficava feliz a cada nova prisão importante, fosse um grande traficante, um político corrupto ou um criminoso internacional. trabalhava em colaboração e vivíamos a família policial federal, uns ajudando os outros em um corporativismo em prol da sociedade. Havia exceções, mas a polícia cortava na própria carne e se tornava cada vez mais séria e competente. Haviam desilusões, mas a experiência e o idealismo tornavam tudo supérfluo, incapaz de arranhar o amor.



Passaram-se 28 anos como policial federal, sempre orgulhoso por fazer parte e ter ajudado a construir com meu trabalho a imagem desta que é uma das instituições mais bem vistas pela sociedade brasileira. Por vezes em setores operacionais, por vezes em setores de atendimento ao público, mas sempre com o ideal de prestar um bom serviço a sociedade e retribuir um pouco daquilo que recebi a duras penas de meus pais, que, com sacrifício conseguiram me presentear, educação, respeito e honestidade. Tive outro presente, minha esposa, que me dava o suporte necessário junto com meus filhos, para que não caísse em depressão, quando a pressão por números, a falta de comprometimento e de liderança dos novos "chefes" e o assédio começaram a assolar o ambiente de trabalho ao ponto de muitos suicidarem-se. A partir daí a "família" policial federal começou a falir por conta da ambição de "concurseiros" que passaram a entrar para a polícia com o único objetivo de obter uma carreira bem remunerada e estável. Estes senhores viram, através de uma visão umbelical, a chance de obter prerrogativas de magistrados e promotores, como vitaliciedade e inamovabilidade, entre outras. Tentaram e continuam tentando, escravizar idealistas e/ou mal intencionados a trabalharem, agora não mais para a sociedade, mas sim para bem cumprir o papel de "escada" para que os chefes sem mérito possam dar entrevistas e alçar voos na mídia, nas secretarias de segurança e no Congresso Nacional.



Esqueceram-se entretanto, que a sociedade brasileira vive o maior caos da segurança pública de todos os tempos, que os escravizados não são apenas uma matrícula, tem nome sobrenome e ideal. Pois os verdadeiros policiais cumprem missões para limpar a sujeira da sociedade, arriscando suas vidas diariamente e nem todos tem a sorte e ou a força para superar a pressão e a depressão advindas das ameaças e do assédio moral diários. Famílias se desfazem, doenças psicológicas se instalam e a grande maioria está armada e mal tratada. Fartos por verem o fogo ser "apagado" com gasolina por personalistas que só olham para o próprio umbigo, que sem responsabilidade com a instituição, com os policiais ou com a sociedade, tentam dominar, as custas de instamentos anti-democráticos e típicos dos "anos de chumbo" pessoas que buscam servir a sociedade brasileira.
O resultado tem sido o suicídio, em sua maioria, mas sem querer profetizar, poderá virar uma chacina dentro de uma sede da PF Brasil afora, pois os ânimos estão acirrados e as medidas ditatoriais tomadas pela direção geral do DPF estão levando pessoas idealistas ao desespero e a própria instituição ao enfraquecimento e a substituição por outras forças.



Ao fim sobrarão apenas cinzas, que a sociedade não permita tal catástrofe.

 

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