Senado discute nova versão da PEC 37

Data: 21/03/14

O Senado analisa nova proposta de emenda à Constituição (PEC) que retira o poder de investigação criminal do Ministério Público, a exemplo da PEC 37, rejeitada pelo Congresso Nacional após ser bombardeada nos protestos de junho do ano passado. Novo alvo da polêmica, a PEC 102/11 também diz que só a polícia poderá fazer investigações criminais, e o seu controle externo não será mais exercido pelas promotorias e procuradorias, com ocorre hoje, mas pelo Conselho Nacional de Polícia, ainda a ser criado. A proposta, que aguarda relatório na semana que vem, ainda permite aos Estados unificar as polícias civil e militar. Apesar disso, trechos da PEC são criticados pelo Ministério Público, pelo relator e até por setores das polícias. ”

O secretário de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República (PGR), Nicolao Dino, é autor de uma nota técnica de 18 páginas que pede o arquivamento da proposta que, para ele, “é pior que a PEC 37”. “Estamos caminhando para o risco de criação de um Estado policial, porque há um empoderamento excessivo da polícia, com concessão de autonomia administrativa, investigação privativa. e ausência de controle por parte do Ministério Público”, afirmou o procurador em entrevista ao Congresso em Foco.

O principal efeito da retirada do poder de investigação do Ministério Público, segundo ele, será o aumento da impunidade. “Se você estabelece monopólio, você afunila a investigação e aumenta o grau de impunidade, um resultado social negativo.” A missão de Dino é comandar uma tentativa de arquivamento da proposta no Congresso.

O relator da PEC 102, senador Humberto Costa (PT-PE), é contra proibir o Ministério Público de fazer investigações criminais, ao mesmo tempo em que defende mais rigor na atuação de promotores e procuradores nesse trabalho. “Não dá para ficar com uma investigação anos a fio e não fazer denúncia e deixar uma espada sobre a cabeça das pessoas”, disse o senador, que é líder do PT na Casa, ao Congresso em Foco.

Humberto Costa disse à reportagem que vai propor um relatório semana que vem simplesmente pedindo mais prazo para analisar este e outros temas de segurança pública que ele considerou complexos demais para serem tratados com pouco tempo e num ano eleitoral.

Já a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) sempre defendeu a PEC 37, por entender que ela dá legalidade aos inquéritos e ainda prevê mais garantias e direitos aos cidadãos, que podem ser investigados em determinadas situações. O autor da proposta, o senador licenciado Blairo Maggi (PR-MT), também. Na justificativa do projeto, ele disse que o texto foi feito por “pessoas comprometidas com a defesa dos direitos do cidadão”. O presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro, reagiu às análises de Nicolau Dino. “E vamos ter o Estado ministerial? O Ministério Público entende que a polícia trabalha para ele, mas nós trabalhamos para a sociedade”, criticou o delegado, em entrevista ao Congresso em Foco. O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Paulo Roberto D’Almeida, se disse contrário à fusão entre as polícias militar e civil, contida na proposta de mudança da Constituição, e pediu independência dos agentes e delegados em relação a presidentes, governadores, ministros da Justiça e secretários de Segurança.

Demora na apuração

Antes de o texto chegar às mãos de Humberto Costa, o senador Waldemir Moka (PMDB-MS) chegou a fazer um relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), rejeitando a restrição às investigações criminais do Ministério Público, mencionando a derrubada da PEC 37, e também a criação do Conselho Nacional da Polícia. Mas o relatório não foi votado porque o projeto foi enviado antes à Comissão Temporária de Soluções para o Financiamento da Segurança Pública.

Lá, o caso é analisado por Humberto Costa. No início da noite de quarta-feira (19), o líder petista disse à reportagem que o tema é complexo e merece mais tempo para ser analisado. Por isso, ele defende que o caso seja remetido de volta à CCJ para ser debatido sem as pressões do calendário eleitoral, possivelmente em 2015.

Humberto ressalta que é contra proibir os procuradores e promotores de fazerem investigações criminais. Ele pondera, no entanto, que é necessário impor algumas regras para tornar a ação de procuradores e promotores mais eficaz, como a imposição de prazos para a duração das investigações e inquéritos.

Controle social

O relator da proposta também é contra retirar o controle externo da polícia das mãos do Ministério Público. Marcos Leôncio, da Associação dos Delegados de Polícia Federal, concorda com o senador neste ponto. Ele e o presidente da Adepol defendem que o sistema atual seja mantido, mas tenha o acréscimo de um controle da sociedade, por meio do Conselho Nacional da Polícia, que, segundo a PEC 102, terá a participação de advogados, representantes do Congresso e mesmo do Ministério Público. “Vamos ter um controle maior da sociedade. Não temos nenhum receio de ter um rol maior de controladores sobre nosso trabalho”, afirmou Leôncio.

O delegado lembrou que o modelo é o mesmo adotado pelo “Conselhão”, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Como o Ministério Público pode ser contra um modelo que é usado por ele?”, provocou Leôncio.

Fusão das polícias

A PEC de Blairo Maggi permite que os estados unifiquem suas polícias militar e civil para que se chegue ao chamado “ciclo completo” da atividade, a prevenção e punição ao crime de maneira mais rápida e descomplicada. Na justificativa, ele lembra que aumentar penas de prisão não tem interrompido o aumento criminalidade, que não é devidamente combatida pelo Estado. “É hora de deixar o simbolismo penal e tocar na estrutura do problema da ineficácia de nossos órgãos de prevenção e repressão”, diz o senador licenciado.

Segundo Nicolao Dino, a Procuradoria não tem opinião formada sobre a união das polícias. Mas, para ele, o ciclo completo, defendido pelos procuradores, pode ser obtido mesmo sem a fusão da PM e da Civil. Para isso, exemplifica Dino, um policial militar poderia levar ao conhecimento do promotor de Justiça as provas que recolheu na rua e as pessoas a quem deu voz de prisão para que o Ministério Público ofereça ou não denúncia. Hoje, o PM é obrigado a levar tudo isso à Polícia Civil. “Isso gera burocracia, que retarda a detenção da pessoa”, disse o secretário. Por isso, ele defende a aprovação da PEC 51/13, também analisada por Humberto Costa na Comissão Temporária do Senado, para se chegar ao mesmo resultado buscado pela proposta de Blairo Maggi.

O senador Humberto Costa não sabe é necessário unir as polícias, tema que se arrasta no país desde os anos 1990. “Mais importante que isso é ter polícias integradas, com formação, inteligência e trabalho comuns”, avaliou. Na comissão temporária, o senador é relator de outras propostas sobre a estrutura da polícia brasileira. Mas ele quer esperar a passagem do ano eleitoral para enfrentar as polêmicas.

Força armada

A Adepol é contrária à fusão das polícias por considerar isso “inadequado”. Para Paulo D’Almeida, o mais importante é fazer mudanças na lei que deixem claro qual é o papel da PM e da Civil, equipar as duas corporações, aumentar o efetivo para as investigações e dar autonomia para os delegados e agentes.

Ele afirma que a independência financeira e funcional é necessária para que as apurações sejam feitas sem intromissão de presidentes, governadores, ministros e secretários. “Nós sofremos ingerências políticas. A Polícia Civil precisa ser uma polícia de Estado e não de governo, e com recursos próprios”, defendeu D’Almeida.

Nicolao Dino entende que a PEC 102, de forma implícita, dá essa autonomia administrativa às polícias. Apesar de criticar a subordinação dos delegados a pressões políticas, o procurador é contra usar a autonomia para driblar esse problema. “Nenhum estado sobrevive com a autonomia de uma força que é armada”, argumenta.

OUTRAS NOTÍCIAS

Levantamento alerta para direitos do servidor público estudante

1ª Turma mantém júri do caso Villela

Agente da PF ganha direito de remoção após ser vítima de assédio

Texto da reforma da Previdência é aprovado na CCJ