Medida Provisória 657/2014: Um equívoco eleitoral

Data: 31/10/14

A Medida Provisória 657/14 foi publicada pelo Governo Federal, no dia 14/10/2014, promovendo alterações na Lei nº 9266/96, que organiza a Carreira Policial Federal. Uma iniciativa que mereceu críticas e causou espanto, pois ocorreu em pleno período eleitoral e sem atender aos requisitos essenciais de relevância e urgência. Chamou a atenção o fato de que foram introduzidos inúmeros benefícios especiais aos delegados federais, como, por exemplo, a definição da natureza jurídica do cargo e a restrição da escolha do cargo de diretor-geral entre delegados integrantes da classe especial da instituição.

      Houve reação imediata nos meios de comunicação e nas redes sociais. Destacou-se que a MP foi editada em meio ao embate eleitoral e à acusação de vazamentos da Operação Lava Jato, que atingiu partidos da base aliada da presidente Dilma. Jornalistas e analistas políticos classificaram a medida como um agrado aos delegados da PF e um movimento estratégico da campanha da presidente para equilibrar o jogo eleitoral. Coincidentemente, no dia 16/10/2014, a mídia destacava que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou ao Ministério Público Federal que havia repassado propina ao ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra para que ajudasse a esvaziar uma Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar a Petrobras em 2009.

      Cabe ressaltar ainda que as associações que representam os delegados federais tinham marcado para a mesma data uma manifestação nacional pedindo mais autonomia para o órgão. Além disso, o deputado federal e delegado da PF Fernando Francischini (PR) havia agendado uma reunião da Frente Parlamentar da Segurança Pública, naquele mesmo dia, que ouviria o presidente da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, sobre as dificuldades que a PF vem enfrentando nas investigações da Operação Lava Jato. Esta reunião foi cancelada, por falta de quórum, e, com a edição da MP, repentinamente deixou de ser importante para seus patrocinadores, já que o assunto sumiu do noticiário.

      Outro ponto importante é que a edição da MP 657 acabou esvaziando um grupo de trabalho instituído com o objetivo de discutir o processo de reestruturação da Carreira Policial Federal. O grupo de trabalho era composto por membros do Ministério do Planejamento, da PF e do Ministério da Justiça. Havia um compromisso do governo de não editar nenhuma medida durante os 150 dias de negociação, sendo que esse prazo só termina em novembro, após o segundo turno das eleições.

      Segundo declarações do deputado Fernando Francischini, publicadas no site do jornal Folha de S.Paulo de 14/10/2014 em matéria sobre o encaminhamento da MP 657/2014 pelo governo federal, “o governo teve que editar uma MP ontem à noite porque sabia que hoje ia ser uma pancadaria. Botamos o governo de joelhos”.

      Não há dúvidas de que os delegados federais, com essa estratégia de ataque ao governo, visavam obter vantagens excepcionais para o cargo e seguir na direção da desejada equiparação salarial com as carreiras jurídicas típicas de Estado, e não promover uma melhoria na gestão e na qualidade dos serviços oferecidos à sociedade brasileira. Vale destacar que a edição da MP 657 levou a Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF), os sindicatos da PF e a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais do Departamento de Polícia Federal (APCF) a se manifestarem contrários à sua aprovação pelo Congresso, por meio de Notas à imprensa e de manifestações públicas em diferentes pontos do País.

      Se politicamente a edição da MP 657 foi considerada inoportuna e equivocada, tecnicamente ela apresenta artigos que são contrários a uma verdadeira modernização do órgão. O Art. 2º-A estabelece que: “A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1o do art. 144 da Constituição, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça.” Apresenta ainda o seguinte parágrafo único: “Os ocupantes do cargo de delegado de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União, são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.” Uma definição que não se coaduna com o previsto no Art. 144 da CF/88, o qual estipula no seu § 1º que a polícia federal é órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira. A introdução do conceito de hierarquia e disciplina (um conceito previsto na CF para as Forças Armadas) não se justifica, já não é típico das instituições civis e não é previsto nem na Polícia Rodoviária Federal, uma instituição civil fardada onde a hierarquia existente é totalmente baseada nas funções de chefia, que podem ser ocupadas por qualquer policial.  Assim sendo, não há na CF qualquer destaque a cargo específico na estrutura da Polícia Federal, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a polícia civil, que no § 4º do referido artigo consta como dirigida por delegado de polícia de carreira. Ademais, deve-se destacar a abrangência excessiva de poder dado aos delegados pela MP. Como a polícia federal possui uma estrutura complexa e diversificada, é injustificável limitar a direção das atividades do órgão a um único cargo. Suas múltiplas atividades, como as de inteligência, de polícia administrativa, de gestão de pessoal e de administração e logística, devem ser entregues aos servidores com melhor qualificação e maior preparo para desempenhar suas complexas atribuições. Ao limitar essa escolha, o governo contraria um dos mais importantes princípios da administração pública: o da eficiência. Destaca-se ainda que enquanto essas atividades podem ser comandadas por qualquer cargo policial do órgão, o inquérito policial é instaurado e presidido apenas por delegados federais. Ou seja, a nova definição legal irá aprofundar ainda mais uma tendência de redução no número de delegados federais executando suas atribuições básicas.

      Já o Art.2º-B da MP 657 estabelece que o “ingresso no cargo de delegado de Polícia Federal, realizado mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige três anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse.” Essa nova definição irá afetar a vida das instituições e dos profissionais que atuam em cursos preparatórios e dos candidatos aos concursos públicos para o cargo de Delegado de Polícia Federal. Isto porque, antes da MP, os candidatos precisavam apenas possuir o diploma de conclusão de curso superior em nível de graduação em Direito para concorrer ao cargo. Agora, além de possuir esse diploma, o candidato deverá comprovar três anos de atividade jurídica ou policial. Isso vai gerar uma redução dos negócios e dos empregos nesses cursos preparatórios, além de representar a exclusão de milhares de brasileiros que perderam o direito de concorrer a uma vaga para o cargo de Delegado Federal nos futuros concursos. Ressalta-se que para muitos dos melhores pensadores da área de segurança pública a exigência anterior é mais do que suficiente como requisito para habilitação ao cargo.

      Finalmente, o Art. 2º-C da medida provisória retirou do Presidente da República o direito de livre escolha para o cargo de diretor-geral da PF. Pelo novo texto o “cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.” Uma nota técnica encaminhada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ao Senado sobre o assunto destaca que essa medida objetiva “a simples restrição ao acesso da chefia da Policia Federal aos servidores integrantes da carreira de delegado de Polícia Federal, excluindo, dessa forma, inúmeros outros possíveis candidatos ao cargo tão ou mais qualificados que os delegados de policia que integram a Polícia Federal”. Importante ressaltar ainda que nas principais polícias do mundo, como o FBI, a indicação do dirigente principal é de livre escolha do presidente. Além disso, no Brasil, devido às dificuldades de entendimento entre os policiais dos diferentes cargos da Carreira Policial Federal, a mudança introduzida pela MP pode trazer mais problemas do que benefícios ao governo, já que a indicação de um nome de fora, sem compromissos com nenhum dos cargos, pode ser a solução para se promover a integração necessária ao bom funcionamento da instituição policial.

      Deve-se destacar ainda o seguinte trecho da exposição de motivos para a edição da MP: “Ressalte-se também que a presente medida provisória é fruto de um constante canal de debates existente entre o Governo e os seus profissionais, cujo objetivo é buscar uma constante valorização do órgão e de todas as suas categorias.” Pelo conteúdo da MP e pelo repúdio manifestado por agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos da polícia federal, resta claro a completa inexatidão dessa afirmativa.

      Pelo exposto, concluiu-se pela total inadequação do encaminhamento da proposta de mudança da Lei nº 9266/96 por meio de medida provisória. A MP 657/2014 foi um verdadeiro equívoco eleitoral e deve ser rejeitada pelos parlamentares no Congresso, já que se trata de um assunto de interesse do Estado e não apenas do poder Executivo. Cabe ao governo concluir as negociações em andamento conduzidas pelo grupo de trabalho, instituído e coordenado por ele, e, depois, aí sim, encaminhar um projeto de lei para ser devidamente debatido e melhorado pelos senadores e deputados, sem o açodamento exigido por essa norma legislativa de exceção.

      Não há como corrigir um problema histórico com medidas apressadas e adotadas sob pressão de grupos que representam apenas interesses corporativos. O Brasil precisa encarar a atual crise da segurança pública de frente, assumindo que a polícia federal pode representar a mudança desejada pela sociedade e servir como novo padrão nas políticas de qualificação profissional, de modernização dos fluxos de trabalho e de estrutura organizacional. Uma nova força policial que seja respeitada pela comunidade e que seja a garantidora dos direitos constitucionais e dos direitos humanos.

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