Policiais querem derrubar lei que integra os chefes às carreiras jurídicas

Data: 23/02/15

A lei inclui direitos como tratamento diferenciado e "regalias especiais aos delegados"

Entidades de classe das polícias travam uma batalha judicial que expõe o racha dentro da categoria. O motivo é a edição da Lei n° 12.830, de junho de 2013, reconhecendo que delegados fazem parte da carreira jurídica, têm direito a serem chamados de Vossa Excelência, e ainda que podem presidir o inquérito e pedir medidas como perícias, informações e documentos. Mesmo representando todas as categorias da corporação, a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Polícia Civil (Cobrapol) propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para derrubar a lei, que teria garantido “regalias especiais aos delegados”.

A confederação recebeu um reforço — que demonstra a existência de outra queda de braço, desta vez, entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal —, com parecer favorável à ação, redigido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. No documento, Janot afirma que a legislação foi fruto “de pressão corporativa concentrada de associações de delegados de polícia, em todo o país, já há vários anos, exatamente com a finalidade de distanciar delegados dos demais policiais e de aproximá-los das carreiras verdadeiramente jurídicas, tanto no tratamento normativo quanto no plano remuneratório”.

Depois de proposta a ação, a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que fez intensa campanha pela aprovação da lei, pediu que fosse admitida no processo, como parte interessada. Para o presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro, tanto a ação quanto o parecer não demonstram qualquer preocupação técnica ou jurídica, apenas corporativista. “O procurador-geral tem demonstrado, em seus posicionamentos, uma tentativa de censurar ou reduzir as possibilidades de investigar da Polícia Federal”, diz o delegado.

Incongruência


O presidente da Cobrapol, investigador da Polícia Civil Jânio Bosco Gandra, explica que a legislação, na verdade, cria uma incongruência dentro das polícias Civil e Federal. “O delegado é um policial e não pertence à carreira jurídica. Não se pode admitir que, simplesmente por ser formado em direito, pertença a outra categoria. Como policial civil ou federal, ele terá que prestar serviço às respectivas corporações”, defende.

Gandra disse ainda que a decisão de propor a ADI foi discutida durante um congresso de policiais civis de todas as unidades da Federação, reunidos em Brasília, em maio de 2014. O dirigente reforçou que, “mesmo que a Cobrapol represente também os delegados , existe grande insatisfação, pois a atividade policial não é exclusividade do delegado, mas de todo o corpo da Polícia Civil”. Ele ainda alfinetou o tratamento de “Vossa Excelência” dispensado aos delegados. “Para que esse tratamento, se isso não melhora em nada a relação com a sociedade? Pelo contrário, vai distanciá-los ainda mais.”

Conflito de interesses

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio, rebate a tese de que a lei “cria uma casta” nas forças policiais. “Pelo contrário, protege a investigação e o interesse público.” “Temos que considerar que a lei questionada não permite que um delegado seja retirado da condução de um inquérito sem uma justificativa fundamentada. É necessário demonstrar que está havendo prejuízo ao trabalho de apuração. É uma inamovibilidade apenas para proteger o interesse da sociedade, mas permite mudanças quando a conduta do profissional compromete o trabalho”, explica. Segundo o Leôncio, esta é uma forma de se evitar ainda que haja interferências externas nas investigações.

Presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Polícia Civil (Cobrapol), Jânio Bosco Gandra ressalta que a ação contra a constitucionalidade da Lei n° 12.830 não é uma simples “vingança” dos investigadores. “Eu não sou delegado, mas tenho vários primos nesse cargo. O que quero evitar é um racha interno na corporação que a nova legislação implantou.”

No parecer favorável à ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Cobrapol, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ressalta que “de maneira alguma se cogita menosprezar a enorme importância desses agentes públicos. Não se deve admitir, todavia, que, devido àqueles movimentos corporativos, a legislação infraconstitucional desnature o sistema constitucional da segurança pública, dê à função policial feitio que não lhe é próprio, aprofunde (em vez de corrigir) as disfunções do direito positivo pré-constitucional e empreste tratamento normativo análogo a funções que são intrinsecamente distintas”, diz o parecer.

Interpretação


Para a Procuradoria-Geral da República, quando a lei estabelece ser o delegado de polícia o “responsável pela condução da investigação criminal por inquérito policial ou outro procedimento legal, permite interpretação incorreta e inconstitucional de que qualquer procedimento investigatório de cunho criminal precisaria ser presidido com exclusividade pelo delegado de polícia”.

Janot não esconde o desconforto que a legislação causou também ao Ministério Público. “Interpretação incorreta e inconstitucional de que qualquer procedimento investigatório de cunho criminal precisaria ser presidido com exclusividade por delegado de polícia. Disso resultaria exclusão de investigações realizadas por outros órgãos, com atribuições definidas, de maneira mais ou menos explícita, na Constituição da República. (…) Poderia trazer consequências indevidas à atuação do Ministério Público, cujos poderes investigatórios decorrem diretamente da Constituição da República.” (MCP)

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