Nikos Passas: "Lutar contra a corrupção tem que ser um projeto coletivo"

Data: 06/04/15

Especialista em corrupção afirma que não há estratégia bem sucedida contra esse crime se não houver comprometimento de toda a sociedade

O grego Nikos Passas, professor e pesquisador da Escola de Crimonologia e Justiça Criminal da Northeastern University, dá aulas sobre o combate à corrupção há 35 anos. Na Grécia tanto quanto no Brasil, corrupção é tema frequente do noticiário. "E é assim na maior parte dos países que visitei nos últimos dez anos, acredite", disse  Passas, numa longa conversa por email. Suas aulas e palestras costumam ser das mais concorridas nas universidades que visita. Junto a outros pesquisadores e especialistas da ONU e da OCDE, Passas lançou uma frente acadêmica anticorrupção para ajudar a criar cursos e gerar mais pesquisas sobre o tema. Passas argumenta que nenhuma estratégia anticorrupção será efetiva se não houver comprometimento da sociedade e todos os seus atores. "Lutar contra a corrupção tem que ser um projeto coletivo. Todos temos responsabilidades", diz.


>> Caryn Peiffer: "É politicamente inteligente para qualquer governo criar leis anticorrupção"


ÉPOCA – O senhor diz que o combate à corrupção precisa ser um modo de vida. Poderia explicar melhor essa proposta?


Nikos Passas – A mensagem chave é lembrar que a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção apresenta um padrão abrangente, global e consensual de práticas anticorrupção e de boa governança, o que é essencial para atingir os objetivos das políticas públicas e de crescimento econômico. Trata-se de um parâmetro legal que fornece o mínimo de obrigações para a administração pública. Para se chegar ao efeito desejado, essas providências precisam ser implementadas. Se tudo que tivermos for uma regra ou uma lei aqui, uma instituição ali, os resultados serão frustrantes.
As sociedades precisam entender e adotar o espírito dessa luta anticorrupção, objetivos e metas que permeiam toda as medidas da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Uma vez feito isso, as lições e toda a sabedoria – muitas vezes escondida – numa proposta como esta irão inspirar um progresso sustentável para se tornar nosso modo de vida.

ÉPOCA – O quanto o ensino das boas práticas no combate à corrupção está disseminado no meio acadêmico e nas escolas?


Passas – Não o bastante. Eu tenho dado aulas sobre o tema há 35 anos. Mais recentemente, comecei a introduzir aulas na graduação e até no ensino médio, assim como módulos especiais sobre corrupção, integridade e transparência para estudantes de Direito e Administração. São aulas muito populares e empolgantes visto que acabo recebendo estudantes de todas as disciplinas, idades e diferentes países. Também ministro palestras regulares como professor visitante em todos os continentes, incluindo o Brasil. No Rio minha palestra a respeito da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção foi muito bem recebida por professores e alunos da Faculdade de Direito da Uerj.
Ter consciência de que universidades e escolas não estão fazendo o suficiente, dada a necessidade de se criar e manter uma cultura de integridade de valores desde o início de nossa formação, me levou a lançar, juntamente com colegas da Nações Unidas, da OCDE e de diversas universidades, uma iniciativa global de acadêmicos contra a corrupção. O propósito tem sido encorajar as instituições educacionais a introduzir aulas e cursos sobre integridade e transparência, e não apenas sobre leis e corrupção. A iniciativa visa ainda fornecer assistência com um menu de temas de onde sacar os assuntos necessários para criar um conteúdo bibliográfico e estudos de casos. Muitas universidades nem oferecem esses cursos e, nas que oferecem, professores estão hesitantes porque lhes falta background, conhecimento e confiança suficientes para abordar o assunto, logo, eles precisam de um treinamento especializado. Muitas vezes as propostas não chegam a cobrir problemas específicos, como tipos de corrupção. Também é raro contextualizar a discussão englobando passado e presente, a extensão dos efeitos da corrupção que são variados, dependendo do lugar, suas raízes e os difusores do problema. O que está sendo feito exatamente agora? Quais estratégias estão no forno?  Uma boa estratégia de combate à corrupção deve mobilizar a sociedade civil, o setor privado, agentes governamentais e a mídia entre outros atores. Não basta dar uma aula sobre a convenção das Nações Unidas e pronto, sem abordar o espírito dessa proposta e sua real meta: criar e compartilhar conhecimento sobre o problema, suas consequências, explicá-las e evidenciar o que ainda está por ser feito. Falta deixar evidente o papel de cada parte e dos indivíduos e suas profissões nesta campanha. A luta contra a corrupção tem que ser um projeto coletivo. Todos têm responsabilidade.


ÉPOCA – Seria o caso de ensinar ética até para crianças pequenas nas escolas?


Passas – Você pode ensinar toda a ética que desejar mas se nenhuma mudança for feita na sociedade e na forma como o mundo dos negócios trabalha, não haverá nenhuma mudança de fato. O Brasil também precisa de uma estratégia que organize e divida as tarefas por toda a comunidade, em todos os níveis.


ÉPOCA – Onde estão as boas práticas anticorrupção?


Passas – Temos vistos campanhas bem sucedidas, como em Hong Kong e Singapura. Mas os problemas continuam até nesse países pequenos. Há espaço para melhorias. No Brasil, por exemplo, a CGU tem realizado um trabalho eficaz dando transparência aos gastos públicos federais. O órgão tem colaborado com universidades brasileiras e estrangeiras na pesquisa e implementação de inovações tecnológicas nesse ramo graças a técnicos dedicados e brilhantes.
Até na Grécia, onde corrupção está constantemente no noticiário e na mente das pessoas, tem havido exemplos fantásticos de governança, transparência e uso da tecnologia. Tenho um bom e simples exemplo. Como escritórios locais de coleta de impostos pouco faziam a respeito de cobranças em casos já analisados e denunciados, um funcionário dedicado criou um website com informações sobre o total de casos em análise em cada escritório, os casos resolvidos e o total de dinheiro recebido. No fim de cada dia, um email era enviado para o chefe do escritório local com cópia para o Ministro da Fazenda e outros supervisores. Isso fez a diferença e quase 700 milhões de euros foram coletados rapidamente em um ano e meio de operação.Encerraram-se assim 260 mil processos.


ÉPOCA – O excesso de casos sobre corrupção deixa as pessoas com a sensação de o mal estar tão instalado que combatê-lo é como enxugar gelo.


Passas – O maior problema de grande parte dos países é que as boas práticas e seus efeitos desejados são suplantados por problemas em outros setores. E isso acontece porque falta uma estratégia de longo prazo. O diagnóstico dos problemas deve estabelecer prioridades e a sequência de iniciativas pensadas de acordo com as necessidades e a capacidade de implementação. Isso deve incluir medidas de curto prazo que pavimentem o caminho para a credibilidade futura com a adoção de indicadores de desempenho para analisar o que está sendo feito e o progresso conseguido. É assim que se cria um círculo virtuoso.


ÉPOCA – O senhor acredita que o Brasil está conseguindo mudar sua imagem junto à comunidade internacional depois de desmantelar esse grande escândalo de propina na Petrobras?


Passas – Esse é um grande caso e vem atraindo muita atenção da comunidade global. Sempre que uma história dessas chega ao noticiário, as percepções são afetadas sobre a origem e o impacto da corrupção numa empresa ou num país. O Brasil tem mostrado determinação em revelar, investigar e ir atrás dos envolvidos. Idealmente, espera-se que esse caso transmita a mensagem de que o Brasil está realmente mudando o presente e o futuro ao reconhecer e lidar com as falhas do passado; que Justiça está e será feita; que as lições serão tão efetivas e claras que confusões no processo sobre o que aconteceu sejam corrigidas e evitadas; que se saiba efetivamente como se detectou, investigou e puniu os envolvidos; e que as novas práticas da empresa sejam um referencial excelente e de prevenção para o setor privado. É assim que se converte um pesadelo corporativo e uma publicidade negativa de um país numa imagem positiva, em que se destaca a promoção de medidas anticorrupão aplicadas e regularmente revisadas para que outras empresas compitam para fazer o mesmo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Levantamento alerta para direitos do servidor público estudante

1ª Turma mantém júri do caso Villela

Agente da PF ganha direito de remoção após ser vítima de assédio

Texto da reforma da Previdência é aprovado na CCJ