"Temos uma estrutura policial partida ao meio que não encontra paralelo em nenhum país desenvolvido do mundo", diz Jean Smith

Data: 27/04/15

Por Jean Smith

 

O Brasil é um país ímpar. Temos uma estrutura policial partida ao meio que não encontra paralelo em nenhum país desenvolvido do mundo, com uma polícia militar fazendo policiamento ostensivo e as civis e federais fazendo a tal "polícia judiciária", menina dos olhos dos delegados, que na verdade serve apenas para investigar, produzir provas e formalizar os atos que serão utilizados pelo MP nas ações penais. Ou seja, a ação penal pertence ao MP, isto sim consonante ao que acontece no resto do globo.


 Ocorre que a estrutura partida em duas das polícias não é o único absurdo da terra “brasilis”, aqui também se inventou o concurso para chefe de polícia, pegando-se o cargo de delegado, derivado da burocracia portuguesa, e elegendo-o quase como "dono" das polícias. Até ai, nada extraordinário, pois é natural que em uma escala hierárquica existam cargos com ascendência sobre os demais, o problema é a forma de preenchimento destes cargos, hoje por meio de concurso público, admitindo pessoas sem nenhum conhecimento de polícia, bastando à formação em Direito. Ocorre que a formação em Direito sequer passa perto de preparar alguém para as particularidades do trabalho policial. Reduzir a atividade policial à sua ínfima parcela "jurídica" é deixar de lado a maioria absoluta de suas atribuições e responsabilidades. Ninguém aprende a investigar, cumprir diligências, planejar operações policiais, enfim, qualquer atividade da doutrina policial em faculdade de Direito, o que faz com que entrem nas polícias novos bacharéis sem o mínimo de preparo para o cargo ao qual foram alçados e o pior, chegando já na condição de "chefes" e acreditando que são melhores que os outros.


Chega a ser risível a argumentação de algumas pessoas que se identificam como delegados alegando que "só delegados tem capacidade para investigar". Só a ignorância ou a vaidade pode produzir tal afirmação. Na realidade das polícias civis brasileiras, incluindo a PF, os delegados passam o dia atuando em inquéritos, em seus gabinetes climatizados, enquanto os Agentes estão nas ruas entrevistando pessoas, fazendo levantamento de locais de crimes, localizando foragidos, coletando provas, de forma que para qualquer pessoa fica evidente quem realmente investiga e quem formaliza atos em papel. Em uma espécie de alienação providencial, alguns delegados adoram questionar se um Agente formado em farmácia ou em engenharia teria condições de investigar, tentando levar o bacharelado em Direito a um patamar de curso supremo, formador de gênios. Nada mais distante da verdade, aliás, a diversidade de crimes investigados pelas polícias civis, obviamente, atinge todas as esferas do conhecimento. Um farmacêutico está muito mais habilitado a investigar um caso de fraude ou adulteração envolvendo medicamentos do que qualquer delegado. Um engenheiro tem uma capacidade infinitamente maior de descobrir um superfaturamento em uma obra de rodovia, por exemplo, do que alguém formado em Direito. Um psicólogo tem infinitamente mais capacidade para colher e avaliar o depoimento de uma vítima de crime do que um `"jurisconsulto".

Em resumo, o Direito é apenas uma, e uma das menos importantes áreas envolvidas na ciência policial, mas no Brasil é tratado como se fosse a própria fundação desta. Nada mais longe da realidade.Com o sistema brasileiro de "judicializar" as polícias e a absurda regra de concurso para chefe, ocorre que meninos e meninas recém formados em direito, mas "bons de concurso", passam para o cargo de delegado e do dia para a noite passam a ser chefes e se entenderem como especialistas absolutos em segurança pública, exercendo algumas vezes sua "superioridade" contra os demais policiais como forma de mostrar a "hierarquia" de seu cargo, que vira um fim em si mesmo, ao invés de servir a sociedade, se serve dela na busca de benefícios absolutos.

Este sistema é totalmente contrário à meritocracia ou a evolução natural das pessoas, pois faz com que policiais experientes sejam subordinados ao delegado-chefe da vez, muitas vezes com menos tempo de vida do que o policial de serviços à sociedade. Mas como já dito, só no Brasil que isto acontece, pois na imensa maioria dos países, não por acaso com índices de solução de crimes infinitamente melhores que os brasileiros, ninguém "nasce chefe", tendo uma carreira baseada na competência e na experiência, onde todos os policiais entram na base, fazendo o trabalho mais ostensivo e, conforme vão se evoluindo na experiência e sabedoria, vão galgando cargos de níveis hierárquicos superiores, até que chega o momento em que podem se tornar chefes de polícia, mas daí sim com um longo currículo de experiências e serviços prestados à sociedade, não apenas com base no diploma da faculdade.Além de ineficiente, o sistema brasileiro é desrespeitoso à maioria dos policiais, pois propicia que sejam proferidos discursos "de superioridade" por pessoas que estão no cargo de delegado, mas que não trazem consigo nenhuma experiência ou conhecimento reconhecido, apenas a "patente" do cargo. Isto leva a outra situação de enfraquecimento comum em nossas polícias, pois sem possibilidades de terem seus conhecimentos reconhecidos e uma natural evolução na carreira pela experiência e competência demonstrada através dos anos, muitos policiais experientes, altamente capacitados, acabam indo trabalham em serviços burocráticos e administrativos, pois sem o bônus de receber o reconhecimento pelos serviços prestados, o ônus do trabalho policial acaba se tornando excessivamente desgastante. Perde assim a sociedade.

Uma efetiva evolução na segurança pública brasileira somente virá com uma reforma total em nossas polícias, com o ciclo completo, acabando com as "polícias pela metade" e com a carreira única, instituindo-se a meritocracia e acabando-se com as chefias "dente de leite", reservando somente a policiais habilitados à possibilidade de exercer cargos de hierarquia superior. Por enquanto, por conta do lobby político dos delegados e sua ânsia infinita por poder e autovalorização, um sonho ainda distante.

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