Diminuir homicídios seria uma mina de ouro de R$ 100 bi para o Brasil, diz diretor do Ipea

Data: 08/05/15

Ocupar a 11ª posição no ranking das nações com as mais elevadas taxas de homicídio, além da péssima mensagem sobre o nível de desenvolvimento humano em que o País se encontra, também se traduz em grandes perdas financeiras


SÃO PAULO - A cada ano que passa, o Brasil perde, em média, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 2,36% de seu PIB (Produto Interno Bruto) por conta de uma taxa de homicídio superior às 32 ocorrências para cada 100 mil habitantes, sem contar com todos os inestimáveis prejuízos gerados para cada cidadão morto. Ocupar a 11ª posição no ranking dos países com as mais elevadas taxas de homicídio, para além da péssima mensagem sobre o nível de desenvolvimento humano em que o País se encontra, também se traduz em bilionárias perdas financeiras anuais.

Os números ganham novos contornos em momentos de conjuntura econômica menos favorável e imperativos ajustes nos gastos do governo, assumindo o papel de mais um importante argumento no sentido de convencer quem ainda não havia se comovido com a necessidade de se investir contra os elevados índices de homicídio no Brasil. Levando em consideração tal cenário, investir em segurança e bem estar pode não ser tão custoso como se imagina. Segundo especialistas, apesar de o setor abocanhar cerca de 5,5% do PIB todo ano, os atuais indicadores apontam para a necessidade de se alocar recursos de forma mais eficiente e racional. A cada vida preservada, além do próprio benefício humano, seria possível reduzir perdas econômicas e financeiras geradas por mortes e, posteriormente, destinar recursos para outros setores.



Para entender um pouco melhor sobre economia em segurança pública e seus efeitos sobre as mais diversas alas do espaço público, o InfoMoney entrevistou Daniel Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas do Estado do Ipea, órgão formalmente subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Cerqueira é doutor em economia pela PUC-Rio e mestre na mesma área pela EPGE da Fundação Getúlio Vargas. Também foi analista do Banco Central entre 1994 e 1996. No Ipea desde 1999, tem produzido pesquisas principalmente nos temas: violência e criminalidade, segurança pública e economia do crime. Já recebeu os prêmios Jorge Oscar de Mello Flores para o melhor artigo e "Haralambos Simeonidis", da Anpec (Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia), de melhor tese de doutorado em economia. Confira parte da entrevista:


InfoMoney - É possível, com o atual nível de abertura dos dados públicos, estimar com alguma precisão os custos da violência e criminalidade para a economia do País?
Daniel Cerqueira - Estimamos ser algo em torno de 5% ou 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto) a cada ano. Nesses cálculos, há custos que são intangíveis – ou seja, não são gastos financeiros, mas apresentam custo econômico –, como, por exemplo, o custo associado às mortes por homicídios: a gente estima que só os homicídios no Brasil custam 2,36% do PIB a cada ano. São pessoas que morrem, que deixam de consumir e produzir. É capital humano dilapidado. Mas, fora isso, há outros custos também que se somam a este primeiro, entre os quais a despesa que o Estado tem para tratamento das vítimas de saúde no sistema público de saúde, os gastos que ele próprio tem com polícia, sistema prisional etc. Além disso, há custos financeiros que a sociedade arca com segurança privada e com seguros. Somando-se tudo isso, chegamos a esses 5,5% do PIB.

IM - O senhor tem alguma referência do exterior de quanto é esse percentual, se estamos na média de quanto os outros países gastam e como funciona?
DC - A grande questão nessa literatura sobre custo do crime é que não há um consenso sobre a taxonomia (ou seja, o que é custo do crime e o que não é exatamente) e a metodologia (como esses custos devem ser calculados). Existem vários trabalhos no plano internacional, mas que não podem ser comparáveis diretamente, porque são metodologias diferentes e calculam coisas diferentes. O único trabalho que eu vi que usa a mesma metodologia para comparar vários países é o do Rodrigo Soares, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Depois, baseado nele, a gente fez um segundo aqui para o Brasil mais detalhado que dá esses 2,36% do PIB que falei. Ele pegou todos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), calculou e identificou que o Brasil estava entre aqueles com maiores custos. O que é bastante razoável, porque estamos sempre na lista dos campeões mundiais de homicídios.

IM - Vocês também têm alguma estimativa de como entraria o crime organizado nessa história?
DC - Não, não temos. Nesse caso, você tem dois lados da questão. Ao mesmo tempo em que o crime organizado gera externalidades negativas para a sociedade (o que impõe custos para o Estado, custos de bem estar), passou a ser debatida, no ano passado, na Itália, a tentativa de valorar a atividade dele para tentar colocar no PIB. Todas as contas nacionais seguem padrões internacionais que nos permitem comparar o PIB dos vários países. Dentro desses padrões, existem alguns princípios sobre o que entra e o que não entra no cálculo. Entre essas coisas que não entram no cálculo do PIB estão lá ações criminosas. Só que, se você incluir essas atividades na conta do PIB, alguns eventualmente teriam melhores resultados. Certamente, o nosso iria crescer, assim como o da Colômbia, por exemplo. Mas eu acho muito complicado, porque significa você entrar em uma área, além da discussão ética, muito nebulosa do ponto de vista de você ter dados é métodos para se alcançar uma mínima certeza se aquilo é razoável ou não. Imagino que seja uma complicação dos diabos você chegar a um meio termo em que todos os países aceitassem.

IM - Quais seriam os passos a se tomar para que seja feito um cálculo mais preciso dos custos da violência no sentido de tentarmos ampliar a eficiência dos métodos aplicados? Sobretudo em momentos de crise, é natural pensarmos que, se tivéssemos melhores resultados na área do combate à violência, poderíamos investir mais em outras áreas.
DC - Um economista francês chamado François Bourguignon fala uma coisa interessante. Nessa matéria sobre estimar custos da violência, os países poderiam ser distinguidos em três categorias: padrões ouro, prata e bronze. O padrão bronze é quando os países não conseguem calcular custos ou, no máximo, calculam custos agregados à violência. Trata-se de algo que pode ser importante para dimensionar o tamanho do problema social e tentar dar um primeiro passo no sentido de investigar quanto seria possível alocar para o setor para, ao superar esse problema, termos um momento de bem estar. Tornando a explicação mais simples: se a gente calculou que o custo de bem estar da violência é 5% do PIB e a gente conseguisse, vamos supor, com 2% do PIB acabar com o volume da violência, a gente teria um ganho de bem estar de 3% do PIB. Esse é o primeiro passo.

O padrão prata de Bourguignon é quando os países, além dos custos agregados, conseguem calcular custos específicos para programas. Então, conseguimos constatar quanto cada real ou dólar investido em determinado programa que mire a diminuição de homicídios gerou de benefícios para a sociedade em termos de vidas e reais poupados.

Já o estágio ouro, é quando você tem, no país, vários desses programas sendo avaliados ao mesmo tempo. É a única maneira de a gente garantir racionalidade na gestão da segurança pública, ao invés de fazer o que acontece hoje de uma forma geral no País (políticas de segurança pública na base do achismo, pensando que as ações são boas, mas não sabendo muito bem se ela deu resultado e quais pontos foram positivos ou negativos). Hoje, não conseguimos saber como utilizar da forma melhor possível os reais escassos, no programa A, B ou C para diminuir os crimes.

Em um país com padrão ouro, você tem prioridades e existem vários programas que podem atingir alternativamente o mesmo fim. Por exemplo: quero diminuir homicídio. Então, eu poderia fazer um programa de policiamento melhor, um programa orientado para as crianças, outro para reinserção do egresso do sistema prisional... Podemos ter vários programas que atingem o mesmo fim, mas quanto cada real do programa A, B ou C está gerando de benefício para a sociedade? Quando a gente começa a olhar o problema dessa forma, a gente começa a ter ferramentas gerenciais para, primeiro, otimizar o uso dos recursos públicos, e, em segundo lugar, a gente aprender o que funciona e o que não funciona. Com o aprendizado, a gente consegue avançar na efetividade.

IM - Corrija-me se estiver errado: se muitas vidas são poupadas com investimentos em segurança, a conta dessas alocações, na realidade, não seria tão alta como parece.
DC - Exatamente. Hoje em dia, a gente tem tido muitas discussões, inclusive com autoridades no governo federal, nos governos estaduais. Há uma grande preocupação no seguinte sentido de reduzir nossa taxa de homicídio, que é uma das maiores do planeta. E a resposta costuma ser: “mas temos um problema financeiro. Como a gente vai conseguir financiar programas para reduzir homicídios?”. As pessoas costumam ficar limitadas a pensar que, sem o dinheiro, não tem como resolver isso. Eu costumo inverter isso dizendo o seguinte: na verdade, a redução dos homicídios é um grande negócio do ponto de vista econômico. Se a gente está dizendo que consegue diminuir os homicídios, nós vamos descobrir uma mina de ouro que deixa de ser consumida na sociedade. São recursos que equivalem a bilhões de reais que deixam de ser consumidos. Portanto, se a gente consegue vislumbrar que existe uma mina de ouro à frente, com a redução dos homicídios, arrumar um financiamento para fazer esses programas e evitar desperdícios futuros é apenas uma questão de engenharia financeira.

IM - Quando a gente pensa nessas questões de investimentos para preservar vidas e dá destaque para o aspecto econômico dela, muito se fala sobre uma espécie de coisificação da existência – ou seja, a vida torna-se um simples objeto. Como manter a defesa das posições apresentadas sem entrar em choque com esse raciocínio?
DC - Tem uma literatura internacional que a gente utiliza para calcular o chamado “valor da vida”. Os sociólogos odeiam isso. Se você fala isso, eles brigam com você. A forma como a gente tem dialogado sobre o assunto tem feito as pessoas entenderem. Eu costumo falar o seguinte: a vida não tem preço. Não tem como valorar a perda de um familiar em uma tragédia. Agora, é possível avaliar a perda econômica que aquela vida perdida representa. Então, o que a gente calcula é isso: quanto custa economicamente cada perda dessas. Quando você mensura o valor econômico de uma grandeza como essa em 2,36% do PIB rasgados a cada ano em face aos homicídios, é criado um argumento que as pessoas olham com atenção.

IM - Levando em consideração a taxa de homicídio no Brasil muito elevada em comparação com boa parte dos demais países, o senhor acredita que faltam debates multidisciplinares sobre essa questão da violência, investimentos, custos etc.?
Eu vejo isso como um processo em curso, em que nós, como sociedade, fomos aprendendo que, primeiro, segurança pública é uma agenda fundamental das políticas sociais. Segundo: fomos aprendendo também que a gente tem que ter bons indicadores e fazer políticas não na base do achismo, mas na base do que funciona ou não. Mas, enquanto isso acontecia, vários outros fatores que estavam ocorrendo ora atuaram no sentido de aumentar a criminalidade, ora de diminuir. Então, a gente ficou meio que como um barco à deriva nesse mar das últimas três décadas. Enquanto, no final da década de 80 e ao longo de toda a de 90, a gente viu a sociedade tentando resolver por vias próprias, já que o Estado não resolvia o problema de segurança, vimos um grande aumento na prevalência de armas de fogo. O estoque de armas de fogo que a gente criou nas décadas de 80 e 90 explica o aumento bombástico dos homicídios no Brasil. Na década de 2000, por outro lado, a gente vê a maré empurrando para outra direção, essa mais benéfica: os governos, nas suas várias esferas, mostraram que tem que haver comprometimento, além disso, do ponto de vista socioeconômico, muita coisa melhorou. A desigualdade caiu, a renda melhorou, mas surgiu um elemento crucial que, para mim, explica o aumento dos homicídios em muitos lugares do Brasil nos anos 2000: o crescimento absurdo no consumo de drogas ilícitas. Só para se ter uma ideia, entre 2000 e 2012, o crescimento foi de 700%, sobretudo em cidades pequenas e desbravando novos mercados que antes eram inviáveis economicamente, porque as pessoas não tinham renda. Então, esses mercados, que antes eram disputados muito nas grandes cidades metropolitanas, de repente, começam a tomar o curso das cidades menores, onde antes as pessoas não tinham renda, e agora têm como comprar a droga. Você começa a ter disputas por mercados de drogas em cidades cada vez menores (de até menos de 100 mil ou 50 mil habitantes), indo para as regiões centro-oeste, nordeste e norte. E esse quadro que tem acentuado o número de homicídios no Brasil, nos últimos anos.

IM - Então, não necessariamente, a elevação da renda consegue combater a criminalidade?
DC - Sobre a elevação da renda em si, a gente diria, pelo menos teoricamente, que depende de como ela é distribuída. Se você imagina que a sociedade, de forma igualitária, teve um aumento de renda, a princípio, o aumento da renda faz com que o custo da decisão de o indivíduo entrar na carreira criminal aumente. Ou seja, os incentivos, quando a renda do indivíduo aumenta, quando a possibilidade de ele obter um emprego aumenta, diminui a probabilidade do ingresso ao crime, porque ele não vai querer colocar em risco a possibilidade desse emprego e dinheiro certo.

Mas, por outro lado, a renda média pode aumentar, mas pode crescer por conta de um crescimento maior para o grupo da elite, mas para os mais pobres não aumentou. Então, isso pode suscitar um efeito contrário: o incentivo ao crime pode aumentar, porque, se o cara for expropriar a renda de outro, em um roubo, ele pode tirar vários meses ou anos de trabalho. Isso pode ser um incentivo a favor do crime.

Agora, indiretamente, pode haver outro efeito, que é esse que nós falamos: as pessoas com renda na mão vão querer se divertir, consumir, e, eventualmente, vão consumir álcool e drogas ilícitas.

IM - Uma questão que voltou a ser discutida no Congresso e até no espaço público é, mais uma vez, a redução da maioridade penal. Tem como mensurar efeitos econômicos para uma eventual decisão nesse sentido?
DC - Quando olhamos a literatura internacional, percebemos algumas questões. A primeira que gostaríamos de entender é por que as pessoas estão falando de endurecer penas ou diminuir a maioridade penal. O que está na cabeça delas é o seguinte: a pena mais dura vai dissuadir os potenciais criminosos a cometer seu crime, porque eles sabem que, se cometerem, vão para a cadeia para ficar não sei quantos anos lá.

Esse assunto foi estudado em vários países e qual é o resultado que é quase consenso na literatura econômica e criminológica? Os efeitos estimados são nulos. Hoje mesmo, por coincidência, acabei de participar de uma banca de uma defesa de dissertação de mestrado exatamente sobre esse tema. O aluno utilizou os métodos mais sofisticados, em um trabalho brilhante, e chegou à conclusão de que o resultado é nenhum. Então, não tem dissuasão criminal.

Agora, pode ter outro problema que alguns estudos americanos constataram: quando você pega um jovem garoto e o mistura em uma cela com adultos, há estudos que trazem evidências de que isso aumentaria em 35% a chance de reincidência desse garoto. Ou seja, se existe uma fase da vida em que o infrator, que um delinquente, tenha uma chance de você recuperar e trazer à sociedade é quanto mais jovem for esse cara. Depois que ele já é um bandido velho, já quebrou todos esses elos de sociabilidade, é muito mais difícil recuperá-lo. Portanto, pegar esse garoto e misturá-lo em uma prisão junto com outros detentos, muitas vezes, vai fazer com que ele tenha um aprendizado melhor e seja inserido em uma rede criminal maior (com chances de reinserção social menor).

O segundo ponto é o seguinte (e aí não é só a questão da maioridade): será que estamos querendo aumentar mais ainda o número de pessoas que ficam nas prisões? Hoje o Brasil, proporcionalmente, é o quarto país que mais encarcera no mundo. Desde 1981 a 2012, o número de encarcerados no país aumentou 1000%. Temos mais de 550 mil pessoas presas. No entanto, o debate que sacia, de certa forma, essa sede de vingança da sociedade, sem desmerecer, não resolve. Na verdade, isso custa e muito caro para a sociedade. Só para se ter uma ideia: cada vaga em um presídio custa cinco vagas em uma escola. Nós temos que repensar o modelo de segurança pública e olhar com muito cuidado para esses jovens. Olhar não só depois de eles cometerem o crime, mas olhar antes para que eles não venham a cometer crimes.

IM - Caso a maioridade penal seja reduzida, haveria mais gastos envolvidos com violência. Isso poderia implicar em um aumento sobre essa razão de 5,5% do PIB. Não seria uma decisão no sentido oposto àquele que estávamos conversando sobre investir mais para se reduzir os custos da criminalidade?


Exatamente. O tiro pode sair pela culatra. A gente já sabe que não existe – pelo menos no que foi medido – dissuasão criminal. Ninguém vai ficar dissuadido. Permita-me abrir um parêntesis, depois eu continuo: por que ninguém vai ficar dissuadido? Vamos pensar com cuidado sobre o que estamos falando: no Brasil, em média, 8% dos homicídios têm esclarecimento pela polícia. Estamos pegando o crime mais grave, homicídio, em que apenas 8% dos casos a polícia descobre quem foi o autor. Aí, esse processo ainda vai para o Ministério Público, depois, para a Justiça, e, eventualmente, tem a condenação. Ou seja, dos homicídios no Brasil, certamente, menos de 5% deles geram alguma condenação. Então, vamos imaginar a cabeça de um jovem de 17 ou 18 anos que está para cometer um homicídio. Se um cara de 18 anos matar alguém, ele vai ter uma chance muito pequena de ser descoberto, preso e condenado. Mas vamos supor que ele dê azar e ele pegue, sei lá, 10 anos de cadeia. Com 1/6 da pena, se ele for um preso de bom comportamento, ele pode ter direito a progressão de pena. Ou seja, em 3 anos, ele pode simplesmente pegar uma prisão semiaberta e, se não tiver uma prisão industrial ou essa colônia agrícola (o que não tem, porque eles não constroem isso mais no Brasil), o cara termina ficando um preso domiciliar. Quer dizer, ele consegue liberdade em três anos se for maior. E se for menor? Ele vai por três anos também. Fica recluso por três anos e em condições, muitas vezes, piores daquelas que o maior que está no presídio. Porque ele é menor e não tem sequer identidade. Fizemos pesquisas no Ipea, há vários anos, indo nessas instituições e o ambiente é o pior possível. Inclusive, muitos jovens falavam que o sonho de consumo deles era ir para o presídio. Então, eu não consigo imaginar como, mudando esse status, algum jovem vá pensar “ah, agora eu vou pensar, porque prisão ficou mais dura”. Não existe isso, porque a taxa de desconto temporal, ou seja, a aflição do jovem por ter benefícios e ser feliz é naquele momento. E se ele tem a possibilidade de empunhar uma arma, participar do tráfico de drogas, botar uma medalha de ouro e ser o bonzão entre as menininhas, ele vai querer isso. Ele não está olhando se a pena vai ser maior ou menor. Isso não existe.

Agora, fechando o parêntesis, se não existe esse efeito de dissuasão, por outro lado, pensando nesse estudo americano que eu citei, isso pode confabular para a gente aumentar ainda mais a velocidade de encarcerados no Brasil sem nenhum efeito efetivo para a diminuição do crime. Isso custa muito dinheiro para a sociedade. Portanto, ao mesmo tempo em que temos segmentos mais conservadores da sociedade que querem botar todo mundo na cadeia, elas querem diminuir gastos do Estado. Há um conflito aí. Nós temos que resolver que política que vamos fazer. Prevenir é melhor do que remediar.

IM - A decisão de se reduzir a maioridade penal iria totalmente de encontro com a atual política de ajustes na economia...
Exatamente. A gente pode complicar ainda mais essa situação. E olha que hoje temos 550 mil presos, além de, se não me engano, mais de 300 mil mandados de prisão ainda em aberto, fora que muitos dos presídios têm enormes superlotações. Ou seja, se o Estado brasileiro fosse seguir a lei de execuções penais – que não segue; ele é o primeiro a violá-la –, teríamos que construir muito mais presídios do que temos hoje. Um custo altíssimo a todos.

IM - A questão da redução da maioridade penal, além do aspecto social, seria um dos piores investimentos em debate hoje no Brasil?
Acredito que sim. Sabe o que é um bom investimento? A maior riqueza deste país e das famílias brasileiras são as pessoas. Então, é a gente olhar para esses jovens. Nós nunca olhamos. Sempre renegamos uma parcela da sociedade, de jovens, da periferia... Renegou para o segundo plano. Isso é, também, um desperdício econômico, porque, se a gente pega esses jovens, educa, capacita e traz à sociedade de mercado, o Brasil só tem a ganhar. O que a gente fez nessas últimas décadas foi manter a boa escola para poucos. A gente manteve esses caras à margem do processo. Isso foi dar um tiro no pé do próprio Brasil, na capacidade de crescer a produtividade. Hoje a gente fala: “ah, o país está estagnado, a produtividade não cresce”. Claro, nós não investimos nas pessoas. O melhor retorno de investimento é o retorno em capital humano. Só que, se você tem uma parcela enorme da sociedade que não tem acesso a esses investimentos, o retorno, ainda que seja alto para um grupo pequeno, quando você olha no agregado, não vai ser grande. Portanto, o país não vai para frente.

IM - Mais alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar?
Só tem mais um ponto que ninguém está olhando. Nós estamos passando por um dos processos mais profundos de transição demográfica. O Brasil, só para se ter uma ideia, nunca antes em sua história – como dizia o Lula, né? (risos) – teve tantos jovens como hoje. Atualmente, temos 51 milhões de jovens entre 15 e 29 anos. Isso nunca mais vai acontecer. Em 2023, esse número de jovens começa a cair acentuadamente. Em 2035, a população do Brasil vai diminuir de tamanho. Então, nós estamos falando o seguinte: em 2023, a população de jovens diminui muito e vai aumentar a população mais adulta. Significa dizer que nós temos um problema intertemporal e que, daqui a algumas décadas, vamos ter uma população de velhos. E, se esses velhos forem aqueles que não tiveram estudos na época adequada, o futuro do Brasil estará comprometido.

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