O FBI e a falácia das múltiplas carreiras

Data: 17/06/15

No ano de 2012, redigi um artigo que explicava a estrutura da Polícia Federal Norte Americana (FBI). O texto foi tecido com o formato informativo, vez que, naquele momento, a Polícia Federal Brasileira passava por uma de suas maiores crises, que colocou os Delegados de um lado e os “EPAs” (Escrivães, Agentes e Papiloscopistas) de outro.

À época, me deparei com um artigo redigido pelo Delegado Fontenele da PF, onde tentava demonstrar que no FBI existiriam diversas carreiras e que havia um paralelo perfeito com o Departamento de Polícia Federal. Não pude deixar de estranhar o texto que era recheado ou de desconhecimento ou de certa manipulação. Pessoalmente, prefiro acreditar que seja o caso de desconhecimento, e por esse motivo redigi o artigo supramencionado a fim de esclarecer não apenas o Delegado, como outros colegas EPAs que frequentemente também se equivocavam nas suas colocações em relação ao Bureau.

Ocorre que na semana passada tive a oportunidade de ler um artigo do Delegado Mattos, este da Polícia Civil. O texto aparentemente usou o meu como base para tecer deduções equivocadas e realizar o perfeito oposto do que meu texto inicial se propôs. Como afirmei no meu artigo original, o que se deve buscar pela polícia como um todo é uma inovação no modelo que atualmente vinga em busca de uma melhor prestação de serviço à população. Continuar com o que temos hoje, com todo respeito aos bons PMs, PFs[1] e PCs[2], é um completo fracasso.

Sendo assim, presto-me novamente a esclarecimentos que visam jogar luz às premissas apresentadas pelo caro Delegado, que, espero, agiu de maneira tão inocente quanto seu colega.

Existem duas carreiras no FBI: a Carreira Administrativa (Professional Career) e a Carreira de Agente Especial (Special Agent Career). Diferentemente do que os Delegados apresentaram em seus textos, a carreira de “Polícia” no FBI é apenas a de Agente Especial. Já a carreira administrativa, atua como suporte de toda a estrutura investigativa, o que não poderia ser diferente. Se colocassem Agentes Especiais (ou seja, investigadores) para gerir o RH, a contabilidade, a logística etc., estaria fadada aos mesmos índices de solução de crimes que temos no Brasil. Então, resumindo, praticamente toda a atividade administrativa é realizada pelos cargos da Carreira Administrativa.

O mais curioso dos artigos dos colegas Delegados é que para provar seu ponto, suprimem informações que estão publicamente apresentadas nos sites citados por eles como referência bibliográfica. Informações como a de que para ser um Agente do FBI é necessário que o candidato tenha graduação de quatro anos em bacharelado numa universidade aprovada no sistema de educação Norte Americano. Lá não existe a judicialização da investigação, uma vez que isso é atribuição do Promotor de Justiça. No FBI, a preocupação dos Agentes é com a segurança, com o combate ao crime e não com prerrogativas.

Existe então a carreira Policial e a Carreira de suporte administrativo. Muito bem.  No meu artigo, expliquei brevemente o que são as job series, e as citei para mostrar que a atividade do Agente Especial não se confunde com a atividade dos Especialistas de Investigação e Especialistas de Vigilância uma vez que não são policiais (logo, não podem ser comparadas aos EPAs brasileiros, estando mais próximos da carreira Administrativa da PF). Qual não foi minha surpresa ao ver que tal informação foi deturpada para dizer que apenas os Delegados de Polícia prendem alguém. Nos EUA, isso se deve ao fato de os job series representarem, até onde se estende o poder daquela atividade. Nos casos que apresentei, os Agentes Especiais possuem 1811 job series, o que significa que tem prerrogativa de portar a insígnia do órgão, armas, credenciais e tem “autoridade para prender”. Por outro lado, os investigadores (caso dos especialistas mencionados) em alguns casos, podem portar insígnias e armas, mas não possuem autoridade para prender (arrest authority). Vamos entender por partes a confusão realizada no artigo do Delegado.

Em primeiro lugar, por óbvio, o Brasil e os Estados Unidos possuem leis distintas. Portanto, regras distintas devem existir. Se examinarmos as leis americanas, vamos perceber que, como no Brasil, qualquer cidadão pode realizar uma prisão se em flagrante delito. Ora, de onde veio essa história de que um investigador não pode prender então? Simples, veio de uma pesquisa na Wikipedia, que traz o seguinte fragmento: “Apesar de alguns investigadores de série 1810 terem poder para, em algumas circunstâncias, carregar armas de fogo e investigar crimes, eles não possuem poder para prender. Geralmente, tal autoridade é o que distingue um agente especial (1811) da maioria do efetivo de série 1800.” (http://en.wikipedia.org/wiki/Special_agent). Não vou me aprofundar no significado da série 1800, mas vou esclarecer o que é o “poder de prisão” que o texto se refere. Trata-se na verdade, não apenas de prender um indivíduo infrator, mas também de realizar a famosa “prisão para averiguação”. Esse instituto, abolido das leis Brasileiras, existe nos EUA e para evitar abusos de cargos de suporte não policiais, portanto não foram concedidos aos mesmos (caso dos especialistas). Entretanto, qualquer policial americano pode prender. Seja do FBI, da State Police, DEA, ou os Sheriff Deputy. Todos prendem, do officer ao Chief. Seria no mínimo irracional se fosse diferente. Policial que não prende? Só no entendimento do Delegado Mattos. Por sinal, este também está equivocado!  Em seu texto, para que a premissa menor se somasse à maior, criou essa dedução ilógica de que apenas o Delegado “prende em todas as fases (?)”.

Na Lei Brasileira, temos no Código de Processo Penal:

Art. 289-A.  O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2º Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado na forma do caput deste artigo.

Art. 291.  A prisão em virtude de mandado entender-se-á feita desde que o executor, fazendo-se conhecer do réu, Ihe apresente o mandado e o intime a acompanhá-lo.

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

A prisão (em flagrante ou não) na fase preliminar é una. Qualquer divisão que tenha sido criada para respaldar a teoria do nobre Delegado é procedimental e não encontra respaldo legal. No ato, o Delegado meramente relata os fatos e encaminha o procedimento para o MP. Lavrar auto de prisão não é sinônimo de prender, é apenas reduzir a termo o que o Policial realizou. Vou adiar, por ora, a desconstrução da grande falácia de que “o Delegado é a única autoridade policial”. Este artigo está em gestação e em breve irei apresenta-lo.

Por enquanto fica a reflexão ­sobre o motivo da resistência em aplicar no Brasil modelos policiais que resultam em elevados índices de segurança e resolução de crime. Todo cidadão que tem a oportunidade de viajar ao exterior, certamente já se deparou com a sensação de segurança e tranquilidade de outros Países. Certamente sentem até certo desconforto ao perceber que ali podem se acalmar e baixar a guarda que mantemos o dia inteiro elevada. Caso contrário, seríamos surpreendidos a qualquer momento do dia ou da noite com algum tipo de violência. Por que não trazer essa sensação para o Brasil? A quem interessa manter o atual status quo de um dos países mais violentos do planeta? É compreensível a resistência pela mudança. Por sinal, essa resistência por parte da polícia em se atualizar não é exclusiva do Brasil, mas talvez seja o momento de provar que podemos ser ainda melhores que as melhores polícias do mundo. Afinal, os atores da segurança pública podem até discordar na forma que ela deve tomar, mas é inquestionável, mesmo a eles, que a situação tornou-se insustentável.

[1] http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/06/17/apenas-8-dos-inqueritos-criminais-da-policia-federal-viram-denuncias-do-ministerio-publico/

[2] http://www.cnmp.gov.br/portal/images/stories/Enasp/relatorio_enasp_FINAL.pdf

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