Desarmamento: projeto de lei reacende polêmica sobre risco

Data: 21/07/15

 

Proposta em discussão no Congresso facilita a concessão do porte, diminuiu a idade limite e amplia o total de armamento por cidadão. Especialistas alertam para o risco de manter armas de fogo em casa e para o aumento nos homicídios


No Riacho Fundo, uma criança de 12 anos morreu após ser baleada na cabeça pelo irmão, de 15. Ambos brincavam com a arma do pai. Em Ceilândia, uma menina de 5 anos foi atingida no abdômen pelo avô, também de maneira acidental. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Sozinhos em casa, no Paranoá, um adolescente de 15 anos deu um tiro sem querer no amigo de 14, enquanto mostrava a ele a arma do pai, um policial civil. O mais jovem morreu na hora.

Todos os casos aconteceram entre 2012 e o ano passado. Mostram uma pequena dimensão do risco assumido por quem tem uma arma de fogo. Ainda que grande parte da população do Distrito Federal critique a atual situação da segurança pública, passar a responsabilidade de proteção do Estado para o cidadão é criticado por especialistas. “Armas não trazem segurança para ninguém, só tragédia. O cidadão de bem não precisa de uma dentro de casa”, afirma a aposentada Maria Luiza Braga, 75 anos, moradora do Setor Sul, no Gama. Há 17 anos, ela perdeu uma filha, Fernanda Braga, morta a tiros por bandidos. O namorado também morreu. Ambos saíam da residência da vítima.

Apesar do drama e do trauma de todas essas famílias, o Congresso Nacional discute a possibilidade de facilitar ainda mais o acesso às armas de fogo, revogando o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. O Projeto de Lei nº 3.722/2012 prevê, entre as principais alterações propostas, o aumento na quantidade de armamento para cada cidadão, de seis para nove, e a descentralização do sistema de concessão do porte, passando a responsabilidade para as polícias civis estaduais — atualmente, a Polícia Federal que detém essa prerrogativa (leia Em discussão). A comissão especial que discute o projeto realizou a última audiência pública em junho, e o relator, deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG), garantiu que o relatório será apresentado na última semana de agosto.
Controle

O Distrito Federal tem 64.492 armas registradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) — 9.623 delas estão com civis. De acordo com especialistas, o controle sobre a aquisição ocorrido após a aprovação do Estatuto do Desarmamento não só fez com que a quantidade pudesse ser mais bem monitorada, como permitiu que a escalada do número de mortos por armas de fogo caísse. “O Mapa da Violência analisou o impacto do Estatuto nos índices de homicídios no país com base nos registros do SUS. De 1985 a 2003, eles cresceram 21,4% e, nos nove anos seguintes à lei do controle de armas, 0,3%”, afirma Valéria de Velasco, do Convive, organização brasiliense que trabalha pelo controle de armamentos.

Ainda assim, as políticas de segurança pública relacionadas às armas no Distrito Federal ainda não tiveram efeito capaz de diminuir a influência nos crimes. Somente no primeiro semestre de 2015, a Secretaria de Segurança Pública e Paz Social contabilizou 841 flagrantes de posse ou porte, contra 817 apreensões no mesmo período do ano passado. Ainda de acordo com a secretaria, 65,8% de todos os casos de homicídios do ano passado foram cometidos por esse meio, contra 61,3% em 2013.

No Mapa da Violência de 2015, o DF está na oitava colocação entre as unidades da Federação com maior número de mortos por arma de fogo: são 30,3 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes, contra 29,3 para cada 100 mil em 2003. “A taxa de 30,3 mostra que o DF vive uma epidemia de violência. Com mais armas nas mãos de jovens, que são os que mais matam e morrem, não é preciso ser especialista para concluir que esses índices vão disparar de forma incontrolável”, alerta Valéria.
Uma das maiores críticas ao projeto de lei está na possibilidade de o cidadão voltar a andar armado. Se os episódios de violência acidental acontecem dentro de casa, onde as armas ficam protegidas, muitos temem que, nas ruas, esses acasos se tornem ainda mais comuns. A assessora administrativa Poliana de Araújo Passos, 31 anos, teme que, com um possível retorno do direito de andar armado nas ruas, situações de violência de menor gravidade possam se tornar mais trágicas. “Quase sofri um sequestro relâmpago. Fui abordada por dois bandidos saindo do apartamento de uma amiga. O meu ex-namorado reagiu e temi que atirassem nele. Se ele também estivesse armado, acho que todos teriam morrido.”

Insegurança
Segundo o Estatuto do Desarmamento, qualquer cidadão a partir de 25 anos pode solicitar registro de uma arma de fogo, desde que passe nos testes obrigatórios — psicológico e de tiro (técnico) —, comprove necessidade legítima e não tenha antecedentes criminais. Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz, afirma que o cidadão, apesar de reconhecer o clima de insegurança, é contra as mudanças propostas pelo projeto de lei.

Para o especialista, elas podem gerar, inclusive, um gasto maior em segurança pública, porém sem o foco necessário na diminuição da violência. “A polícia é sempre a primeira instituição a fazer abordagens quando acontece um crime. Caso haja maior facilidade para que as pessoas andem armadas, o trabalho do policial aumentará, pois ele não saberá a reação após o primeiro contato,” explica Ivan.

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