Avanço civilizatório

Data: 27/07/15

As investigações contra os políticos devem ser entendidas como sinal do vigor das instituições democráticas e da consolidação do valor republicano de que todos são iguais perante a lei

 

Não faz muito tempo na história do Brasil, um mandato político era uma espécie de garantia de inimputabilidade. Muitos políticos concorriam a vagas no Legislativo apenas para conquistar imunidade contra processos criminais. No caso de deputados federais e senadores, a exigência constitucional de que os processos contra parlamentares tivessem uma licença prévia do Congresso Nacional (no espírito original, uma salvaguarda para resguardar o legislador de perseguições por suas opiniões políticas) passou a funcionar, na prática, na maioria das vezes, como uma barreira para colocar políticos fora do alcance da Justiça. O espírito de corpo, como se houvesse um pacto de ajuda mútua, erguia um muro de proteção contra a aplicação da lei.

Mesmo depois do fim da obrigatoriedade da licença prévia, em 2001, por muito tempo os processos no Supremo Tribunal Federal (STF) não avançavam até a conclusão. Os parlamentares, que gozam foro especial do STF, valiam-se dos inúmeros desvãos do código de processo penal para procrastinar sentenças. Até mesmo renúncias a mandato viraram um subterfúgio para atravancar processos e evitar condenações. Só em 2010 veio a primeira condenação à pena de prisão de um parlamentar no exercício do mandato – um desconhecido deputado de Rondônia, Natan Donadon, que foi para a cadeia três anos mais tarde. Em 2012, com o processo do mensalão, figuras mais importantes e poderosas, inclusive ex-ministros do partido no comando do governo federal, foram para a prisão por determinação do STF.

 

 

As investigações da Operação Lava Jato devem ser entendidas nesse contexto. Há duas semanas, elas se desdobraram em operações de busca e apreensão em imóveis do senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e outros cinco políticos e em denúncias de um delator contra o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Também estão ligadas ao procedimento investigatório criminal aberto pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há um progressivo avanço das instituições democráticas da Constituição de 1988 para fazer valer o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Como disse o cientista social Luiz Werneck Vianna, em entrevista publicada por ÉPOCA, “o parafuso está sendo apertado” – e esse vigor do STF, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, no combate à corrupção, deve ser saudado como sinal de alento em meio à grave crise que  o país vive. Quem tem poder, mas cometeu irregularidades, não pode mais confiar que uma cultura de impunidade vai ajudá-lo a escapar de prestar contas à Justiça por seus atos.

Alguns dos atingidos pela Operação Politeia, como fez o ex-presidente Collor, com o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se colocam como vítimas de medidas arbitrárias ou da perseguição política do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que estaria agindo sob a influência do governo Dilma. Tentam dar ao caso tintas de crise institucional, de conflito entre poderes. É uma alegação sem base na realidade. Deveria ser óbvio para todos que as ações da PF, do Ministério Público ou da Justiça fogem ao controle do governo ou de grupos políticos.

As buscas foram autorizadas por três diferentes ministros do STF. Indícios veementes de irregularidades fundamentaram as buscas.

É possível discutir se a PF, ao exibir os carros de luxo de Collor, não resvalou no velho pecado da espetacularização, que muitas vezes ronda essas operações. Mas a apreensão dos carros faz todo sentido porque são bens valiosos que podem servir para ressarcir danos aos cofres públicos, ao fim do processo judicial. É igualmente improcedente a alegação de que a PF, ao fazer a busca em imóveis funcionais do Senado, invadiu uma prerrogativa da Polícia Legislativa e cometeu uma ilegalidade. Os poderes da Polícia Legislativa restringem-se às dependências do Congresso Nacional e são conferidos por uma resolução interna do Senado, em muito inferior a uma decisão do STF que a PF tratou de cumprir.

O Brasil avança para se consolidar como um estado democrático de direito. Não há por que se falar em estado policial ou desforra de justiceiros. Vivemos em um regime de garantias processuais plenas.

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