Anacronismo e (In)Segurança
Data: 13/08/15
Tanta coisa acontecendo, tantos panelaços, playboys sendo mortos. Por um segundo pensei no que seria mais pertinente escrever por aqui. Como policial federal que sou, resolvi voltar minhas atenções para a aprovação de uma proposta, que eleva os salários de advogados da União e delegados de polícia a pouco mais de 90% dos vencimentos dos ministros do STF.
Seria louvável se não fosse trágico, principalmente dentro da esfera policial. Os delegados de polícia, aprovados em concursos públicos de elevado grau de dificuldade e quase sempre de lisura irrepreensível, representam a minoria dentro de suas corporações. Não têm culpa da estrutura reinante, que possibilita ao recém-egresso dos bancos universitários, exclusivamente dos cursos de Direito, serem alçados a postos imediatos de chefia, para gerenciar policiais com anos a mais de experiência e, muitas vezes, com titulações acadêmicas mais vastas.
A lógica da estrutura de segurança pública brasileira prevê que os delegados de polícia existem para conduzir as investigações, através do instrumento chamado inquérito policial. Um dos argumentos usados por uma ala dos defensores do método é que o mesmo possui mais de 200 anos de existência e, por seu tradicionalismo, deve ser mantido.
Entretanto, por esse apego às origens coloniais do inquérito é que temos taxas de resoluções de crimes muito baixas. Ou alguém acredita que elucidar menos de 10% dos homicídios é digno de menção honrosa? Atribuir uma natureza jurídica ao método investigativo é questionável, uma vez que o Ministério Público e a própria Justiça têm a incumbência de cumprir essa função.
Caberia, então, aos gestores policiais a condução de investigações voltadas exclusivamente para a coleta de provas, que possam montar o intrincado quebra-cabeças do crime, cada vez mais organizado e menos burocrático, uma antítese da atividade cartorária das delegacias. O investimento no trabalho das perícias criminais, que deveria ser maciço, é irrisório para os cargos de polícia científica.
No mundo inteiro, os gestores de polícia têm características multidisciplinares, com profissionais de diversas áreas atuando em conjunto, buscando uma celeridade que possa embasar a Justiça na elucidação dos ilícitos. São historiadores, cientistas políticos, engenheiros etc. Sem o viés jurídico, que não encontra similares no planeta.
Percebe-se então que existe o policial não policial dentro das polícias brasileiras, uma vez que sua natureza sui generis acaba por lançá-lo em algum ponto situado entre a Polícia e a Justiça. O intrigante é que, mesmo diante de estudos acadêmicos de pesquisadores isentos, a Administração insiste na manutenção da ordem vigente, parecendo ser interessante perpetuar o anacronismo da estrutura, que cria abismos e gera crises internas nas instituições policiais, que a população não é capaz de perceber, encantada que está com super-heroísmo dos paladinos que atuam em operações como a Lava Jato.