Brecha de segurança para 2016? MP investiga falta de raio-X em aeroportos

Data: 15/10/15

O Ministério Público de São Paulo está cobrando providências de autoridades da aviação civil e da polícia para melhorar a fiscalização em malas despachadas em voos domésticos no Brasil. Um dos objetivos é melhorar a segurança das aeronaves para a Olimpíada e tentar impedir eventuais atentados.

Uma investigação do promotor público Cássio Conserino reuniu indícios de que não seria realizado qualquer tipo de exame de raio-X nas bagagens transportadas nos porões de aviões em uma boa parte dos voos dentro do país. Esse tipo de fiscalização é comum nos Estados Unidos e na Europa.

A principal preocupação do promotor é que extremistas usem essa suposta falha para introduzir bombas em aviões. Embora a investigação tenha começado em São Paulo, a Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais) disse à BBC Brasil que a falta de fiscalização existiria em todo o país.

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) afirmou à BBC Brasil que a fiscalização das malas é obrigatória em voos internacionais. No caso de voos domésticos, ela seria feita em alguns aeroportos do Brasil.

A agência disse também que prepara uma diretriz que vai estabelecer uma quantidade mínima de bagagens que terão de ser inspecionadas em voos nacionais – mas ainda não é possível estimar prazo para que ela fique pronta.

As empresas aéreas e a Infraero disseram ao Ministério Público que cumprem a legislação que regula o setor. Em linhas gerais, a legislação existente diz que os administradores dos aeroportos devem fornecer os equipamentos de raio-X e as companhias devem exercer a fiscalização. A lei determina ainda que uma porcentagem das bagagens seja inspecionada, mas ao fazer isso remete à diretriz que ainda não foi elaborara pela Anac.

Apesar da atual falta de regulamentação, a lei diz que no caso específico de um passageiro despachar uma mala e não embarcar no avião, essa bagagem tem que ser retirada da aeronave e verificada. Casos considerados suspeitos também devem ser fiscalizados.

'Falta de sorte'


Por volta das 19h do último domingo de novembro de 2014, Nairajane de Lacerda Queiroz foi presa dentro de um avião em um aeroporto de São Paulo por um policial federal.

Minutos antes, umas das três malas de baixa qualidade que ela havia comprado para viajar a Manaus e despachado em uma companhia aérea caiu da esteira acidentalmente e se abriu. Um forte cheiro de maconha vindo de dentro dela chamou a atenção de funcionários da Infraero, que chamaram a Polícia Federal.

A moça havia sido contratada para transportar 43,9 quilos de maconha para o Amazonas em troca de R$ 2 mil.


A história foi relatada por um agente, chefe de equipe da Polícia Federal, durante o julgamento de Queiroz pelo crime de tráfico de drogas neste ano. Ela despertou a curiosidade de Conserino, que atuava como promotor do caso.

"Uma pergunta: essas malas não são submetidas a um raio-X?" – perguntou o promotor ao policial durante o julgamento.
"Não. (...) Eu sou 'persona non grata' (nas companhias aéreas) porque de vez em quando eu seleciono um voo, pego um raio-X de funcionário e faço (a fiscalização). Mas eu sou execrado (...) porque isso atrasa o voo, porque eles não têm funcionários", disse o policial federal em audiência gravada.

"Então se a senhora (juíza) pegar um fuzil ou matar alguém e colocar dentro de uma mala, a senhora despacha, uma bomba também, e não tem fiscalização nenhuma", afirmou ele à Corte.

Essas afirmações levaram o promotor a iniciar um Procedimento Investigatório Criminal com Enfoque na Prevenção de Crimes e Identificação de Responsabilidades no Ministério Público de São Paulo.

"Esse é um procedimento de caráter preventivo. Esse tipo de crime pode estar acontecendo diariamente", afirmou. Ele afirmou se preocupar que "brechas" na segurança como a relatada pelo policial federal possam em tese facilitar a eventual ação de extremistas durante a Olimpíada.

Luis Antônio Boudens, vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), disse que essa suposta falta de fiscalização de bagagens em voos domésticos seria realidade na maior parte do país. Ele afirmou que no caso de voos internacionais a fiscalização vem sendo feita, porém na maior parte das vezes por funcionários terceirizados e não por policiais federais.

Respostas insatisfatórias


Conserino mandou ofícios pedindo explicações e providências para Infraero, Anac, Secretaria de Aviação Civil, Polícia Federal e companhias aéreas, além de outros órgãos. Mas afirmou que as respostas que recebeu até agora não o agradaram.

"Não achamos satisfatórias (as repostas), na medida em que (os órgãos) não enfrentaram o assunto, ou seja, a total falta de fiscalização das bagagens despachadas que, inclusive é fomentadora do tráfico de entorpecentes e também propicia eventuais atos terroristas", disse.

"As autoridades não apresentaram até o momento nenhuma medida eficaz para sanar essa omissão, que é favorável à criminalidade organizada", disse.

Segundo o promotor, em uma etapa final o Procedimento Investigatório Criminal pode resultar em punições administrativas para autoridades de órgão públicos. E se for provado que um funcionário agiu de má-fé, ele pode até ser processado criminalmente.

A Anac afirmou à BBC Brasil que a fiscalização total em voos domésticos é feita em alguns aeroportos do país. Disse ainda que a responsabilidade da inspeção das bagagens é das companhias aéreas.

A agência explicou por meio de nota que sua área técnica ainda não finalizou a elaboração de uma diretriz que estabelecerá a porcentagem de bagagens a serem examinadas em voos domésticos e disse que aguarda informações de órgão de segurança pública para terminar o trabalho.

A Anac afirmou ainda que, mesmo assim, as companhias aéreas "devem realizar a inspeção de segurança das bagagens em casos específicos, tais como bagagens desacompanhadas de seu passageiro, bagagens extraviadas e bagagens que por alguma razão sejam consideradas suspeitas".

Hábitos dos viajantes


A Anac disse à Promotoria por meio de ofício que os cenários que colocam em risco a segurança do transporte aéreo têm que ser considerados para que "não haja o estabelecimento de medidas desproporcionais àquelas realmente necessárias".

Sobre o mesmo tema, a agência disse à BBC Brasil que a exigência de inspeção de segurança em todos os voos domésticos "implica em elevados custos de aquisição, operação e manutenção de equipamentos de segurança, de adequação da infraestrutura dos aeroportos, de supervisão dessas medidas pela Polícia Federal, bem como de custos operacionais".

Para a agência, todas essas mudanças podem ter grandes impactos nos aeroportos. Elas poderiam inviabilizar a operação de pequenos aeroportos e em aeródromos maiores "impactar a capacidade do aeroporto em processar a realização da inspeção" - o que poderia alterar os "hábitos dos viajantes".

"A elaboração de medidas de segurança dessa magnitude requer que um cenário de avaliação de risco seja realizado de forma que não venha ocorrer o estabelecimento de medidas desproporcionais frente àquelas realmente necessárias", afirmou a agência em nota.

A agência disse também que regras que envolvem a inspeção de bagagens tem caráter sigiloso e "sua aplicabilidade é dada em função de avaliação de risco".

"Essa avaliação não necessariamente culmina na definição regulatória de percentual de inspeções", afirmou em nota.

Responsabilidade das empresas


A Infraero citou a legislação que determina que as companhias aéreas têm a responsabilidade de realizar a fiscalização. Ressaltou ainda que a quantidade de bagagens despachadas a serem examinadas deve ser determinada pela Anac.

A Infraero explicou ainda à reportagem que os administradores dos aeroportos (em muitos casos a própria Infraero) devem disponibilizar os equipamentos necessários para a inspeção.

"Cabe ressaltar que a Infraero está aguardando a regulamentação da Anac para adotar as medidas subsequentes", afirmou em nota. A entidade disse estar ciente da investigação e à disposição do Ministério Público.

A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) afirmou que "a inspeção de bagagens despachadas nos voos domésticos acontece em total acordo com as normas e procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pela Polícia Federal (PF), por sua vez alinhados com as práticas internacionais".

A associação também citou a prática de verificar malas despachadas no caso de seus donos não embarcarem e disse que outros critérios de inspeção variam de acordo com cada aeroporto.

Práticas internacionais


A Organização Internacional da Aviação Civil, agência da ONU que trata do setor, não estabelece normas ou diretrizes para o uso do raio-X especificamente em bagagens de voos domésticos. A organização trata majoritariamente de voos internacionais.

Mas segundo o órgão, a Convenção Internacional da Aviação Civil - da qual o Brasil é signatário - determina que cada país deve estabelecer medidas para examinar bagagens levadas em porões de aeronaves.

O tratado também diz que "meios técnicos" devem ser usados para identificar armas, explosivos e artigos perigosos.


Os Estados Unidos, por exemplo, utilizam aparelhos de raio-X em todas as bagagens despachadas em qualquer tipo de voo comercial, domésticos e internacionais.

O Departamento de Transportes da Grã-Bretanha disse que as bagagens de porão são fiscalizadas da mesma forma em voos domésticos e internacionais, segundo uma regulamentação criada pela União Europeia em 2010.

Ela diz que as bagagens despachadas devem ser submetidas a ao menos dois entre quatro tipos de fiscalização: manual, por raio-X, por equipamentos de detecção de artefatos explosivos ou por aparelhos que detectam traços de substâncias explosivas.

Olimpíada


O secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, Andrei Augusto Passos Rodrigues, disse que órgãos como o Ministério da Defesa, a Anac, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e os operadores aeroportuários estão elaborando planos específicos de segurança para cada aeroporto brasileiro durante a Olimpíada.

"Existem medidas de segurança adicionais que são realizadas para esses eventos", afirmou. Ele lembrou que não houve incidentes significativos durante a Copa do Mundo e que o tempo de liberação de delegações e turistas ficou abaixo das melhores médias de países europeus.

"Eu lembro que todos os aeroportos foram avaliados muito bem principalmente pelos cidadãos estrangeiros", disse.


Ele disse ainda que aparelhos de scaneamento de grande porte estão sendo adquiridos para a Olimpíada.

Interesse público


Procurada, a Polícia Federal preferiu não comentar o tema.

A Anac afirmou à BBC Brasil que "esse tipo de reportagem" poderá gerar uma exposição desnecessária sobre questões de segurança "podendo até incentivar pessoas que queiram gerar impacto na mídia com um ato ilícito no transporte aéreo brasileiro".

A BBC Brasil decidiu publicar a reportagem por acreditar que o assunto é de interesse público, visto que é tema de investigação do Ministério Público e foi debatido pela Fenapef.

O expediente já vem sendo usado por criminosos, como mostra o caso da mulher que tentava viajar com quase 44 quilos de maconha.

A BBC Brasil avalia que abordar o assunto levando ao leitor os pontos de vista de todas as partes envolvidas cumpre o papel depositado pela sociedade na imprensa de cobrar mudanças, de forma justa e equilibrada, principalmente em um tema importante como segurança.

Colaborou Luis Barrucho, da BBC Brasil em Londres

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