As ví­timas indiretas da violência

Data: 13/01/16

Saiba quem são as vítimas indiretas da violência e como o Estado pode ajudá-las


Paula (nome fictício) soube em 2010 (somente dois anos e oito meses depois), que seu filho foi assassinado e sepultado como indigente em Campinas, Interior de São Paulo. Quando sua filha preparava a documentação para identificação e reconhecimento do óbito, o genro cometeu suicídio. Na outra ponta, Ana (nome fictício) viu seu marido, soldado da Polícia Militar, ser morto quando saía para o trabalho. Na época, o policial deixou seu enteado com dez anos e um filho com nove meses de vida.

Estas são apenas duas histórias das centenas existentes sobre “vítimas indiretas” - familiares de pessoas que morreram de forma violenta. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 58.559 brasileiros foram mortos de forma violenta no país em 2014. Apesar de ser difícil mensurar em números a quantidade de viúvas, filhos e outros familiares que sofreram a perda por cada pessoa assassinada, podemos imaginar a dimensão das sequelas deixadas. Especialistas afirmam que vítimas indiretas sofrem traumas psicológicos, perdas financeiras, indignações das mais diversas e outros problemas sociais.

Em São Paulo, a Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania, mantém um Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI) que possui equipes multidisciplinares compostas por psicólogos, assistentes sociais e advogados para orientarem e atenderem vitimas e familiares de vítimas de crimes como homicídio, latrocínio, ameaça, violência doméstica, violência sexual e tráfico de pessoas. Na capital, o CRAVI, em parceria com o Ministério Público Estadual, Tribunal de Justiça do Estado e Defensoria Pública do Estado, recebe em média 120 pessoas por mês, no Fórum Criminal da Barra Funda. Há também outros Centros de Referência no Interior do Estado.

“O criminoso que matou meu filho também fez uma vítima que sobreviveu. Essa vítima sou eu”. Essa é uma das frases de uma vítima indireta da violência encontrada na cartilha de apoio divulgada pelo CRAVI.

“A vítima chega com medo de falar alguma coisa dentro do fórum, dentro do CRAVI, algo que possa ser escutado pelos vizinhos ou por quem viu a cena do crime, ou alguém que possa lhe fazer algum mal. Ela chega com medo muito grande. Por outro lado, têm outras vítimas querendo que suas vozes sejam ouvidas por todas as pessoas e todos os órgãos públicos”, explica o psicólogo do CRAVI, Bruno Fedri.

“Ser vítima de violência não é uma escolha. Ser parente de vítima de violência, tampouco. A violência é um lamentável fato da vida a que inúmeras pessoas se vêem expostas diariamente, aqui e no mundo todo”, explica o promotor de justiça, Flávio Farinazzo Lorza, na cartilha de orientação do CRAVI.

JUSTIÇA


Para Bruno, o conceito de justiça é subjetivo. “Podemos oferecer o acesso à justiça, o CRAVI realiza esse trabalho, mas ficamos atentos a que tipo de justiça essa vítima pede. Não raros os casos, ela entende por justiça como vingança. Acha justo que o autor seja morto, pensa que, se ele matou seu filho (por exemplo), nada mais justo que a lei de talião (olho por olho, dente por dente) possa ser aplicada. Diante disso, tentamos pensar com a vítima formas de justiça possíveis, dentro do próprio sistema legal”.

Na opinião do psicólogo, é importante que a vítima indireta externe suas emoções. “É importante que ela utilize esse espaço para falar da raiva, uma vez acolhida e escutada, possa ser elaborada e utilizada para fins construtivos”. Ele citou um exemplo de uma mãe que descreveu como queria matar o assassino de seu filho e, depois do desabafo, desistiu da ideia.

“É difícil imaginar que a humanidade, um dia, se dê conta de que a violência gera apenas e nada mais do que violência. Mas é possível acreditar e, mais do que isto, trabalhar para aqueles que sofrem o trauma da violência encontrem resposta, apoio, abrigo, alento e, mais que tudo, respeito, especialmente quando procuram o serviço público”, escreveu o Promotor Flávio Lorza.

A coordenadora estadual do CRAVI, Cristiane Pereira, relata que a parceria estabelecida com o Judiciário ajudou muito na agilização dos atendimentos. “A maioria vem buscar por informações jurídicas sobre processos. Desde novembro do ano passado reforçamos nossa parceria com o Ministério Público Estadual e temos plantões diários de promotores que ficam à disposição para atendimento dos usuários. Muitas vezes para a pessoa é suficiente uma resposta dos órgãos de justiça e a aproximação com o promotor do caso, algo que acreditava que jamais seria possível. Vimos uma mudança radical e uma melhoria no dispositivo jurídico. Com o MPE conseguimos resoluções mais rápidas”.

Os depoimentos das vitimas mostram bem a importância da participação dos órgãos de justiça. “As informações dos defensores, ajudaram para o que eu ia enfrentar no júri”. “O Promotor era intocável, consegui falar com ele depois que conheci o CRAVI, e assim fiquei sabendo que iria acontecer no júri”.

“Fomentamos trabalho em grupo, o contato da vítima com outros familiares nas mesmas condições que ela, para que tente de alguma forma, por meio de movimentos sociais, criação de blogs de apoio à vítima, dividindo essa mesma sensação, fazer alguma coisa com isso, tanto para os outros que se tornam vítimas e por elas mesmas. Temos resultados de alguns grupos que foram formados e que produzem coisas interessantes”, explica Cristiane Pereira.

É o caso de Ana (a esposa do policial militar) que montou um grupo no whatsapp com familiares de policiais assassinados (guardas civis metropolitanos, policiais civis e militares) para se apoiarem em diversas situações. “Têm pessoas no grupo que também se apegam a religiosidade”, comenta.

RESULTADOS

Cristiane Pereira explica que todos os casos que passam pelo Centro de Referência são levados para uma reunião, discutidos um a um e se obtém um “raio X” das situações de violência. “Verificamos efeitos positivos quando a pessoa consegue retomar sua vida, se voltou a trabalhar, a fazer um curso que estava lá atrás. Pequenas modificações na rotina diária já demonstram como a vítima está evoluindo dentro do tratamento proposto por nós”.

Paula (que perdera seu filho e genro) e sua filha frequentam o Centro de Referência em busca de apoio psicológico. “Isso aqui (Cravi) me fez andar novamente, me fez enxergar de novo a vida. Aqui se ouve, é tudo o que eu preciso. Eu não esperava. Quando Deus fecha uma porta abre outra, e foi isso o Cravi pra mim. Eu conto os dias, eu conto as horas para estar aqui. Tem me dado força e coragem. O melhor momento é aqui. Para a minha filha a mesma coisa. Se toda pessoa que passa pelo que eu e minha filha passamos encontrasse um lugar como esse, talvez fosse mais fácil. Eu já tinha perdido a razão de viver”, fala emocionada.

Crianças vítimas indiretas- O psicólogo explica um dos trabalhos que são feitos com crianças, vitimas indiretas. “ Ela sente que queria ter um pai e traz essa falta de forma lúdica em que expresse a dor. Trabalhamos de forma que ela possa entender. Apesar do pai não estar aqui, ele existiu, brincou com ela. Se consegue guardar coisas boas desse pai para a sua vida, conseguirá elaborar o luto e seguir em frente. “

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