Luiz Eduardo Soares defende uma nova estrutura para Segurança Pública

Data: 03/03/16

      

 

Nos últimos anos, a melhoria na segurança pública brasileira tem sido um dos principais desafios de todas as esferas governamentais. Somente em 2014, 58.559 brasileiros foram mortos de forma violenta, um aumento de 4,8% em relação a 2013, segundo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O aumento da criminalidade, sensação de insegurança, superpopulação carcerária, ineficiência das investigações e a morosidade da justiça colocam em xeque a atual estrutura, exigindo mudanças, inclusive na área policial.


Pesquisa realizada em 2009 pelo doutor em Ciência Política e Ex-secretário Nacional de Segurança, Luiz Eduardo Soares, mostra que 70% dos profissionais de segurança pública no Brasil (quase 800 mil, incluindo todos os segmentos policiais e agentes penitenciários) são contrários ao atual modelo de polícia brasileira.


Luiz Eduardo Soares é professor da UERJ e coordenador do curso à distância de gestão e políticas em segurança pública, pela Universidade Estácio de Sá, também responsável pela nova plataforma “mudamos.org”, que abre espaço para esse debate, A participação da sociedade civil e profissionais da área permitirá um documento que será levado a deputados e senadores.


Defensor da Proposta de Emenda Constitucional- PEC 51, que reestrutura o modelo atual de polícia, Luiz Eduardo Soares acredita que no Brasil foram pouquíssimos e insuficientes os avanços neste setor. “Neste período ficou evidente que o país não pode mais conviver com a arquitetura institucional e o modelo policial determinado pelo artigo 144 da Constituição. Por isso, ajudei a elaborar e defendo a PEC 51, apresentada pelo senador Lindbergh Farias, em 2013”, comenta. “O que, hoje, no Brasil, podemos dizer que funciona e conquistou respeito, confiança, apreço na área de segurança? ”, questiona.


Em sua opinião, apesar da Polícia Federal ser um exemplo, e a única de ciclo completo, ainda passa por tensões e desfuncionalidades, pois não adotou ainda a carreira única. “Espero que esses entraves ao aprimoramento institucional venham a ser corrigidos e superados”.


Obstáculos


Quando se trata de obstáculos para alterações, Luiz Eduardo Soares explica que ainda existe resistência “das minorias corporativistas, no interior das instituições policiais, que são muito ativas politicamente e se articulam com forças conservadoras no Congresso nacional –forças que estão em todos os partidos, mesmo em alguns de esquerda”. Ele também atribui como barreira para o avanço destas mudanças, o desconhecimento do tema pela mídia, opinião pública, entidades da sociedade civil e movimentos sociais.


“E há uma dificuldade enorme de nossa parte –refiro-me aos defensores das mudanças em agir com a mesma competência daqueles que reagem às transformações, os quais podem, portanto, ser chamados “reacionários”, no sentido preciso e descritivo da palavra. Estes últimos contam, além de sua competência política e capacidade de organização, com duas vantagens, que tornam a luta desigual: ocupam posições de mando nas instituições e têm, a seu favor, o extraordinário peso da inércia histórica, das rotinas, das dinâmicas reprodutivas. Incluo na inércia não só as rotinas como as crenças e percepções inscritas na consciência dos indivíduos, que se habituam e naturalizam o que conhecem, o que experimentam, por mais negativo que seja”.


Armadilhas


Para Luiz Eduardo Soares, há também duas armadilhas que dificultam o esforço pela mudança. Uma delas é a confusão entre direitos humanos e efetividade policial e a outra, o limite imposto pela militarização ao avanço para o ciclo completo, no caso das polícias ostensivas (Polícias Militares).


 “Os que defendemos a PEC-51 sabemos que, se houver transformações na direção que propomos, as polícias serão muito mais efetivas no enfrentamento do crime e da corrupção interna. Sabemos também que estarão muito mais preparadas para respeitar os direitos humanos, uma vez que serão melhor formadas, se organizarão de um modo mais suscetível a valorizar e respeitar seus profissionais, e a submeterem-se a controle externo. Estarão mais próximas da possibilidade de oferecer serviços de qualidade, e de entender sua função como prestação de serviço de utilidade pública, a segurança, que implica a garantia de direitos –e nada tem a ver com guerra. Se as praças são submetidas a regimentos disciplinares inconstitucionais e sentem que seus direitos são constantemente violados, como poderiam respeitar direitos alheios? Se há um abismo entre delegados e agentes, como se fossem duas castas, como esperar que haja coesão interna? ”, argumenta.


Segundo o professor, as mudanças trariam efetividade contra o crime e mais respeito aos direitos humanos. “Contudo, na divulgação das propostas e nos discursos mudancistas, a ênfase tende a recair, unilateralmente, na questão dos direitos humanos, deixando de lado o tema que poderia tornar a ideia de mudança mais popular, mais atraente à sociedade, a qual, por ignorância e adesão a valores ainda afetos à barbárie, não raro associa direitos humanos a cumplicidade com o crime ou a ineficiência no enfrentamento do crime. Uma lástima, esta associação, pois a experiência mundial já demonstrou que não há segurança pública sem respeito aos direitos humanos, nem este sem aquela”.


Desmilitarização


Luiz Eduardo Soares fala que a segunda armadilha é que, não seria aceitável à Polícia Militar, exercendo o ciclo completo, passe a investigar, mantendo-se militares, regidas pela Justiça Militar, submetidas aos regimentos disciplinares. “Em outras palavras, a sociedade, seus segmentos mais lúcidos, não aceitaria conceder a uma instituição militar uma função que faz parte da corrente da Justiça criminal, de natureza eminentemente civil. Nesse sentido, não faz nenhum sentido lutar pelo ciclo completo de todas as polícias a menos que as militares se desmilitarizassem”.


Para o professor, o problema é que, "se a imensa maioria mesmo dos oficiais das PMs já compreendeu e defende abertamente o ciclo completo, ainda está longe de ter entendido a inviabilidade de seu pleito, enquanto não incluírem em seu projeto de mudança a desmilitarização". Afirma também que, “ os adversários das mudanças sabem disso muito bem e jogam a isca para os policiais militares morderem: abrem espaço para que lutem pelo ciclo completo, porque sabem que isso não poderá ocorrer, a menos que sobrevenha a desmilitarização. E os adversários creem que os militares jamais admitirão a desmilitarização”.


“Os reacionários têm se mostrado mais argutos do que os mudancistas parciais, aqueles que querem só parte das mudanças, isto é, desejam apenas o ciclo completo. Falta aos mudancistas parciais a percepção de que a desmilitarização não é uma bandeira ideológica ou radical, mas a pré-condição para a realização do ciclo completo –assim como de outros avanços. Por isso, a PEC-51 é a consequência lógica. Não à tona a PEC-51 propõe a carreira única: esta é uma condição natural para a reestruturação. Não teria cabimento desmilitarizar e conceder o ciclo completo a todas as instituições policiais sem tornar seu interior compatível com a racionalidade que infundiria no sistema, em seu conjunto”, completa.


E propõe: “Haveria dois modos de promover a desmilitarização: a unificação das polícias estaduais, que, unidas, formariam uma polícia integrada de natureza civil; e a criação de várias polícias, todas elas civis e de ciclo completo. Neste caso, elas seriam criadas (ou as atuais reformadas visando a adaptação a longo prazo ao novo modelo) segundo circunscrições territoriais ou por tipos criminais”.


Estamos preparados?


Questionado se a sociedade está preparada para mudanças profundas na estrutura das policias e se, até mesmo os próprios policiais, o professor respondeu que tem ouvido de algumas pessoas que, qualquer alteração estrutural na segurança, em suas instituições, será muito perigosa, por mais que se faça a longo prazo, e que mudança pode produzir caos.


“Costumo responder afirmando que caos é o que nós estamos vivendo, no Brasil. Infelizmente, a sociedade acaba convivendo com situações dramáticas que deveriam ser consideradas inaceitáveis. A sociedade sente-se impotente, convive com tragédias cotidianas, contempla perplexa a corrupção policial, reclama, grita, chega a queimar ônibus, mas depois volta para casa, reproduz suas rotinas e naturaliza a barbárie, até a irrupção da nova tragédia. A energia desprendida das manifestações populares relativas à insegurança tem sido canalizada por políticos demagogos para elevar as penas, e o círculo vicioso se renova. A mídia e a opinião pública costumam pedir mais do mesmo, supondo que desse modo (mais recursos, mais viaturas, mais contratações, mais armas, mais força) será atingido um resultado diferente ‘Esse quadro dificulta a mudança. A indignação foi capturada pelo atraso. Até mesmo os ganhos políticos têm sido acumulados pelos responsáveis pela preservação das condições que levam ao desastre. Os demagogos que clamam por penas mais severas e reivindicam liberdade para matar são titulares do medo e da morte, beneficiários e promotores da violência, abutres políticos”.


 “Os policiais estão começando a despertar de seu profundo e prolongado sono dogmático, parafraseando o grande filósofo Kant, quando se referia à sua dívida à obra de Hume. Esse é um processo político complicado, porque há a barreira do regimento disciplinar, nas PMs, e a tradição ultra-corporativista dos policiais civis. A PF, mais uma vez, está saindo na frente e dando o exemplo. Pode vir a liderar as diferentes categorias”. E alerta: ” O pulo do gato está na assunção de uma agenda de mudanças da segurança em benefício da sociedade, da redução eficiente e legalista da criminalidade e da violência. As agendas exclusivamente corporativistas isolam os policiais em um gueto, distante do apoio popular. Entretanto, alerto: para que a Polícia Federal inspire e lidere o processo de mudanças, terá de negociar, internamente, uma trégua entre agentes e delegados. Mais do que trégua, um acordo de respeito mútuo e convivência democrática. Além disso, será necessário contar com a participação da sociedade”, conclui.


Fomos cúmplices da mentira


Luiz Eduardo Soares explica porque as transformações na estrutura da Segurança Pública que faziam parte do programa de governo do ex-presidente Lula foram abandonadas. "Por que o governo federal desistiu das reformas e do Pacto pela Paz, apesar de meu trabalho ter tido sucesso na criação das condições para a concertação? Porque a celebração do Pacto envolveria o presidente diretamente na segurança pública, incluiria a política de segurança na agenda presidencial e tornaria Lula vulnerável a críticas e cobranças por parte da sociedade, por mais que ele explicasse que o processo seria de longo prazo e por mais que buscasse provar que não se transformara no grande responsável pela matéria".


"Dona Maria, na avenida Paulista, no dia seguinte à celebração do Pacto pela Paz no Planalto, diria: “Presidente, vi o senhor ontem no Jornal Nacional dizendo uma porção de coisas bonitas sobre a segurança, mas meu filho foi assaltado, hoje, bem aqui na avenida Paulista. O que o senhor vai fazer sobre isso? ” Era mais conveniente para o governo federal deixar o desgaste político produzido pela insegurança bem longe. Era melhor para o presidente deixar a bomba no colo dos governadores. O triste nisso tudo é constatar que, na campanha, nós dizíamos que os presidentes sempre lavaram as mãos, e que Lula seria o primeiro a chamar a si a responsabilidade, porque só ele, em nome do interesse público, teria a coragem política necessária para pagar o preço do desgaste. Estávamos convictos disso e, involuntariamente, vendemos ilusão para a sociedade. Fomos cúmplices da mentira".


 Veja entrevista completa com Luiz Eduardo Soares, em 15 páginas, neste link.

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