A difícil arte de ser mãe e policial
Data: 08/06/16
Mulheres Policiais Federais, Civis, Militares ou Guardas Civis Metropolitanas, enfim, não importam quais cargos ocupem, elas estão ali no árduo trabalho policial e em casa, na serenidade de serem mães e educadoras. As histórias de quatro destas profissionais, narradas nesta matéria especial, representam as rotinas de diversas mães policiais brasileiras.
Pais de gêmeas de três anos, o casal de policiais militares, sargento Patricia Vieira das Neves.e capitão Marcelo das Neves, começa sua rotina às 5h30 da manhã. Antes de irem para o trabalho, arrumam as crianças e as levam para a escola. No final do expediente, “tem toda a parte de mãe”, como a sargento define, além dos serviços domésticos.
Capitão Neves auxilia em tudo. “O serviço policial é estressante, cansativo, faz parte de nossa rotina. Em casa, conseguimos uma segunda rotina que não tem hora para acabar. Patricia chega em casa a mil, duzentos por hora e estou quase capengando (risos). As crianças ainda a disputam. Quando Patricia está com uma, estou com outra, mas a que está comigo fica enciumada porque a outra está perto da mãe, então não há como fazer essa divisão sempre. Não sei de onde ela tira força para tudo isso”.
No chá de bebês promovido pelas colegas policiais. Foto: arquivo pessoal
Aumentar a família era um sonho do casal. “Eu já tinha 38 anos e não tínhamos tempo a perder. Procuramos um médico e já partimos para a inseminação artificial por causa da idade. Começamos o tratamento pela faculdade de Medicina do ABC, em 2009”, conta sargento Patrícia.
Utilizaram parte do dinheiro da venda de um apartamento e economias. Foram cinco tentativas frustradas. A última, indicação de um médico particular feita por outra policial. “Foi uma tentativa final porque não tínhamos mais recursos, estávamos pendurados no Banco. O valor era bem alto e passei a trabalhar nas operações delegadas, para cobrir os custos”, conta a sargento.
Patrícia já estava com 41 anos, quando foram implantados três óvulos para que um fecundasse. Os três vingaram e ela esperava trigêmeos. Aos cinco meses, um dos fetos morreu e com a intervenção médica, dois conseguiram sobreviver.
“Ela é uma guerreira. Ser mãe policial militar já é difícil, mãe de gêmeas mais ainda. Mesmo assim está atenta a tudo”. Capitão Neves. (Foto de família)
“Costumo brincar que estamos pagando elas. Valeu a pena”, comenta capitão Neves. Ele se emociona quando fala da mulher . “Ela é uma guerreira. Ser mãe policial militar já é difícil, mãe de gêmeas mais ainda. Mesmo assim está atenta a tudo”. Suas lembranças remetem também ao pós-parto, quando Patrícia ficou internada na UTI.
Os dois atribuem a força adquirida para enfrentarem os obstáculos à vivência na Polícia Militar. “A própria carreira nos dá esse ensinamento que não devemos desistir. Uma hora, você se vê com um problema e pensa em desistir, mas, a minha função é não desanimar, é ir até o fim para o bem da sociedade. Isso acaba por fortalecer a gente”, explica o capitão.
“A infância passa rápido e eu tenho pouco tempo do dia para curtir minhas filhas. Então, nesse período tem quer ter qualidade. Eu as pego tarde da escola, depois das sete da noite, e elas dormem. Então, tenho três ou quatro horas para as crianças e preciso aproveitar o máximo. Brinco muito”,comenta Patricia.
A sargento planeja estar aposentada quando as filhas estiverem na pré-adolescência. “Quando elas tiverem dez anos, estarei aposentada, e quero me dedicar em tempo integral. Terei a vantagem de curtir minhas filhas em uma idade mais delicada” . E fala com carinho: “Sempre me dediquei integralmente à Polícia que é minha paixão. Meu pai também é militar. Acordava e dormia pensando na PM, minha família”.
O casal lembra também que a PM sempre os apoiou, durante o tratamento e no nascimento das meninas, também promovendo chá de bebês e compras de materiais necessários para as crianças.
Do lar para a PF
“Hoje ele é super feliz, tem o maior orgulho em dizer que a mãe é uma Policial Federal”. Foto: arquivo pessoal
A escrivã de Polícia Federal, Cleide de Matos Izidoro, tem um filho de 21 anos, que cursa o Direito, na PUC. Quando entrou na Polícia Federal, há 13 anos, seu filho tinha oito anos. Antes de ingressar na carreira, não trabalhava, se preparava para concursos e ficava a maior parte do tempo em casa.
Sua primeira dificuldade foi deixar o filho para trabalhar. “O horário do policial, às vezes é complicado, plantões, viagens a serviço, operações. Não contava coma ajuda da mãe, nem sogra e tive que deixar o filho em casa com uma ajudante, foi muito difícil”, relata. Seu marido, também servidor público federal, a ajudou.
Cleide lembra do período em que ficou três meses em Brasília, no curso de formação da Academia de Polícia: “Foi um período de adaptação difícil, pois até então, estava sempre presente. A partir dali tive que me ausentar”. Apesar disso, o afastamento não interferiu na vida dos dois. “Hoje ele é super feliz, tem o maior orgulho em dizer que a mãe é uma Policial Federal”.
Na opinião da escrivã, “a mulher, em geral, quer ser mãe, ter sua independência financeira, progredir na carreira profissional, ser boa esposa, e, às vezes, se perde um pouco com tudo isso, pois fica difícil conciliar tantas coisas ao mesmo tempo e acaba se cobrando muito”. Com o passar do tempo, ela se adaptou e conciliava horários de consultas médicas, reuniões escolares e compromissos agendados.
Outro problema que Cleide precisou enfrentar foi a questão do armamento pessoal. Apesar do apoio do marido em relação ao trabalho, ele não gostava de se ter uma arma de fogo em casa. Depois acabou se acostumando. Na opinião da policial, “meninos tem esse universo de ‘liga da justiça’, fantasia em ser policial”. Teve que ter um cuidado redobrado com seu armamento. “Aplacava a curiosidade, dizendo que não podia mexer ou pegar em hipótese alguma, que poderia machucar e matar. Sempre escondia a arma. Hoje adulto, ele tem consciência”.
Trabalhar ajudou muito na questão financeira, principalmente na educação do filho, pois proporcionou matriculá-lo em escolas melhores e outros cursos extracurriculares. “Hoje em dia a mulher não tem mais aquela opção de trabalhar por hobby. A mulher tem necessidade, precisa trabalhar”. Cleide está divorciada há cinco anos, não se casou novamente, e conta que “se não fosse o trabalho estaria dependendo apenas da pensão alimentícia do ex-marido”.
“Todas as profissões têm suas dificuldades, mas a policial pela peculiaridade da atividade desempenhada, está mais à ‘prova’, tem que ter uma postura firme, sem que seja rude ou grosseira, sempre se “policiando” para não perder a suavidade, a delicadeza feminina”, conclui a escrivã.
No Estado de São Paulo, segundo o setor de Recursos Humanos da Superintendência da Polícia Federal, das 295 servidoras da PF, 97 são mães e 13 podem dar à luz a qualquer momento.
Valeu a pena
Comandante Sandara com seus filhos Patrícia,Thiago e Lucas. Foto: arquivo pessoal
Quando a Comandante Superintendente, Sandra Helena Perticarrari entrou para a Guarda Civil Metropolitana da Capital Paulista em 1986, tinha 22 anos e dois filhos. Seu marido à época, que é policial militar, ficou preocupado com a segurança da esposa e não aprovou muito. Opinião que mudou, diante da perseverança da mulher, apoiando-a na superação dos obstáculos. Hoje seus filhos estão adultos (Patrícia, com 34 anos, Thiago com 30 e o caçula Lucas, com 27), casados e formados.
"Ser mãe e trabalhar na Guarda é uma preocupação constante principalmente quando se tem filhos pequenos. Muitas mulheres não têm onde deixá-los. Eu, graças a Deus, pude contar com minha família”, relata.
"Quando um filho fica doente, queremos estar por perto, mas minha família compreendia a importância do trabalho e passada a emergência, cuidavam das crianças para que eu pudesse retornar”. Ela lembra também que revezava com o ex-marido e conta: “A minha irmã, por exemplo, comparecia em reuniões de pais e mestres dos meus filhos. Minha mãe e minha sogra ficavam com as crianças para que eu pudesse trabalhar, em casos de ocorrências, algumas vezes buscava-os tarde da noite, quando meu ex-marido também estava trabalhando, afinal tinha um emprego extra”.
A comandante também narra com brilho nos olhos a chegada do terceiro filho: " Eu não esperava ter mais filhos. Em 1987, já tinha quase um ano de guarda, quando fiquei grávida. Tomei um susto". Nesse período, sofreu uma ameaça de aborto que a obrigou ficar em repouso nos sete meses restantes de gestação, afastando-a da GCM. "Sentia falta da Guarda, porque o meu trabalho sempre foi muito importante pra mim, porém naquele momento estava me resguardando, seria mãe de novo. Era um filho que não tinha planejado, mas felizmente estava ali e ia acontecer na minha vida".
Meus filhos sempre me acompanharam, gostam muito, me cumprimentam, participam dos eventos. Somos unidos".Foto:SINDPOLF/SP
Já separada no casamento, a maior dificuldade encontrada pela comandante foi a retomada dos estudos. "Era muito difícil criar três filhos e tirar de nossa renda dinheiro para estudar, só aos 38 anos, entrei para a faculdade. Meu caçula tinha 15 anos. Graduei-me em História na UNG de Guarulhos e fiz pós graducação em Segurança Pública na PUC em 2006/2007”.
E ai começaram os problemas. "Quando entrei na faculdade, em 2002, tinha passado também no concurso para Inspetor da Guarda. Fui promovida do cargo de classe distinta para o cargo de Inspetor (equivalente ao de sargento da PM para tenente)". Para isso é necessário frequentar um curso de 10 meses (1470 horas). "Ficava de segunda a sexta das 8 às 17 no curso, ia para casa, tomava um banho e seguia para a faculdade em Guarulhos. Meu filho de 15 anos, Lucas, ficava sozinho muito tempo depois da escola . Ele começou a se encontrar com adolescentes da região na praça em frente ao prédio que morávamos. Quando eu chegava em casa, ele estava na praça. Pensei, não posso deixar meu filho ficar sozinho".
"Procurei o pai e disse: nesse momento preciso que você cuide do Lucas, o nosso pequeno, porque senão vamos perder nosso filho". Ela narra que o rapaz foi morar com o ex-marido que, por ser policial, “tinha hábitos e conduta muito rígidas". Com as regras impostas e o cuidado do pai tudo foi superado.
Sandra casou-se novamente com um Inspetor da GCM. Sente-se feliz e orgulhosa da relação que mantém com os filhos e com a enteada Mylena, de 11 anos - que tem como filha também. Quando pensa na vitória que teve em sua vida profissional e pessoal, reforça o apoio dos filhos. "Meus filhos sempre me acompanharam, gostam muito do que faço, me cumprimentam e participam dos eventos. Somos unidos".
E avalia: "Eles fizeram o possível para me ajudar e conseguisse trilhar o meu caminho profissional. Foram motivadores, mesmo não entendendo inicialmente nada disso, para que eu continuasse minha carreira. Penso que, se eles tivessem criado dificuldades, teria desistido". E conclui: "Eu adoro minha vida e penso que escolhi a profissão certa".
Sandra também é avó, tem três netos. A inspetora atribui muito de sua formação e vida à Guarda Municipal. "Entrei aqui com 22 anos, idade hoje considerada ainda adolescência. Já tinha minha personalidade, e meu caráter formados. Se você é ou não uma pessoa boa, aos 22 anos já está definido. Ainda assim era jovem demais, estava aprendendo e a Guarda ajudou na formação do meu caráter. O que eu quero para mim é o que eu quero para outras pessoas".
Investigadora, Delegada, MÃE
“Foram dois projetos que correram paralelos. Nunca pensei em um atrapalhando o outro. O projeto de ser mãe não interrompe o projeto de carreira.” Foto: SINDPOLF/SP
Fernanda Herbella ingressou aos 19 anos como investigadora e desde 2001 é delegada da Polícia Civil no Estado de São Paulo. Mãe de um garoto de oito anos, divide seu tempo com a profissão e a educação do filho. O que nem sempre é fácil.
Para a delegada, a cobrança que os filhos fazem a uma mãe policial é diferente. “Sou cobrada, às vezes pelo meu filho, do que pode ou não fazer, que outras crianças fazem. Eu o preservo, por exemplo, não o expondo em redes sociais e ele cobra. Mas é um cuidado a mais que um policial toma em relação aos seus filhos”. E explica a necessidade da conscientização: “Faço entender que é um cuidado a mais que eu tenho por ele, para preservá-lo. É por amor”.
Fernanda menciona a questão da flexibilização de horários como uma de suas dificuldades: “É duro para todas as mães, mas o horário da policial é diferente. Na época em que voltei da licença maternidade, era plantonista e tive que deixar por diversas vezes, meu bebê com o pai, com avó ou uma babá. Isso acontece muito na vida de uma mãe policial”.
No ano passado não esteve presente na troca de faixa do Taekwondo. “É muito difícil, para uma mãe dar conta de tudo, mas demonstro que isso é necessário para que ele obtenha suas coisas e também para a carreira da mãe”, explica. “Muitas vezes a mãe policial não está presente no dia do aniversário. Não é aquela mulher que acompanha o filho em uma festinha às três da tarde. Quando acontece uma ocorrência, por exemplo, não consigo voltar para casa, e é bem no dia que ele tinha a entrega de uma medalha da natação. Isso acontece”. Ao mesmo tempo reforça que nem sempre tempo é qualidade: “Sempre tentei, em decorrência do trabalho, não dar quantidade do meu tempo. Muitas mães passam o dia inteiro com os filhos mas não oferecem o que é importante. Tento priorizar, tento dar qualidade do tempo em que estou com ele”."Tentem se desdobrar como todas as mulheres. Sejam as melhores mães e as melhores policiais que possam ser. Até porque, um dia, os filhos irão se orgulhar de vocês e de suas carreiras”.
A delegada nunca se arrependeu de suas escolhas e não vê interferências da maternidade na carreira policial: “Foram dois projetos que correram paralelos. Nunca pensei em um atrapalhando o outro. O projeto de ser mãe não interrompe o da carreira.”
“Tive sorte de ter um marido que se orgulha da carreira policial da esposa, que compreende esses momentos de ausência, de horário irregular e auxilia na medida do possível”, comenta.
Fernanda Herbella quer “ensinar pelo exemplo”. “Tento ser uma boa profissional, mostrando que sou zelosa com meu trabalho e que procuro sempre melhorar” e complementa: “Fiz vários cursos fora. Esse ano defendi Doutorado. Mostro que estamos sempre em evolução, nunca estagnados. Buscando aprimoramento pessoal”
Para outras mães policiais, aconselha: "Tentem se desdobrar como todas as mulheres. Sejam as melhores mães e as melhores policiais que possam ser. Até porque, um dia, os filhos irão se orgulhar de vocês e de suas carreiras”.
Agradecimentos: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo e Secretaria Municipal de Segurança Urbana da Cidade de São Paulo