Investigação no tráfico internacional de pessoas para exploração sexual

Data: 24/09/16

trafico-de-pessoasO tráfico de pessoas continua sendo um dos crimes mais praticados no Mundo, e as mulheres continuam a ser a maioria das vítimas, principalmente no tráfico de pessoas para exploração sexual.

Como outro mercado qualquer, este funciona sob as regras da oferta e demanda, em que a troca ou venda objetivam o lucro.   Os serviços sexuais têm se ampliado e diversificado em qualidade, preço, tipos de consumidores e de profissionais, com isso o tráfico de pessoas para exploração sexual torna-se uma forma de garantir o abastecimento desse mercado.

Comumente, as mulheres vítimas de exploração sexual tornam-se frágeis emocionalmente, podendo apresentar problemas psíquicos, tais como síndrome pós-traumática, dissociação, evitação, desligamento e identificação com o traficante.

Esses estados psicológicos da vítima fazem com que a investigação desse tipo penal seja diferenciada de outros crimes cuja vítima, muitas vezes, ajuda na investigação e condenação de seus algozes. Quando a vítima, por medo, vergonha ou abalo emocional, não é capaz de auxiliar na investigação, outros meios de obtenção de provas tornam-se essenciais. Sob este aspecto, é importante que a materialidade delitiva seja comprovada de forma técnica, porque a própria vítima pode não reconhecer sua condição, negando os fatos, em razão de questões sociais.

O tráfico internacional de pessoas para exploração sexual, por suas características, tem na obtenção de provas uma de suas maiores dificuldades. Não basta prender aqueles que praticam o tráfico de pessoas, é necessário que o arcabouço probatório seja consistente a comprovar o delito. A obtenção de provas, nesse caso, perde-se se não for realizada durante a investigação policial, ou seja, no período que precede o processo penal propriamente dito.

Além disso, várias barreiras devem ser vencidas para que o combate a esse crime possa ser eficiente.  Uma das barreiras é preconceito a respeito do passado da vítima, o fato de se identificar como profissional do sexo e por muitas vezes ser um “estrangeiro ilegal” faz com que os integrantes das forças policiais não consigam perceber a ocorrência do crime de tráfico de pessoas, o que causa prejuízo às investigações, prisões e condenações judiciais no tráfico de pessoas. Outra barreira é a questão de gênero, seja porque as mulheres ainda são percebidas como um “bem” do qual a “família” pode dispor.

Os homens também podem ser vítimas desse crime, ou seja, os preconceitos relativos a gênero, no tráfico de pessoas, formam obstáculos a prevenção e diminuição desse crime.

1.    CONCEITOS

Segundo protocolo de UNCTOC, da ONU, art. 3, o tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, por meio da ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, trabalhos forçados ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos.”   

Como praticas análogas à escravidão temos:  

1 – Servidão: a obrigação de um indivíduo em viver e trabalhar em outro país sem poder sair;

2- Servidão por Dívida: quando um serviço é considerado como pagamento colateral de uma dívida, mas o serviço é sub valorado de forma que o débito nunca consiga ser pago;

3- A condenação de qualquer instituição ou prática através da qual a mulher é vendida pela família com o propósito de casamento e não tem o direito de recusar; quando a família tem o direito de transferir a mulher para outra pessoa; quando uma mulher pode ser herdada por outra pessoa quando seu marido morre;

4 – Práticas nas quais um menor é entregue por um dos pais ou guardiães para outra pessoa com o propósito de exploração do menor ou de seu trabalho.

Faz-se necessário esclarecer a diferença entre tráfico de pessoas e contrabando de pessoas. De acordo com o parágrafo 17 do relatório da 50 th sessão da Assembleia Geral em 1995, a Migração através das fronteiras sem a documentação não precisa ser realizada sob coação ou exploração, assim como o tráfico de pessoas pode ocorrer com o consentimento destas. A distinção pode ser feita em termos da finalidade para o qual as fronteiras são cruzadas e se o movimento ocorre através da instrumentalidade de outra pessoa.  No tráfico de mulheres e meninas seriam definidas em termos do objetivo de forçar mulheres e meninas em situações sexualmente ou economicamente opressoras e exploradoras e do fato de que é realizado para o lucro dos recrutadores, traficantes e sindicatos do crime.  

Acredita-se que a coerção pode ser realizada por meio de violência ou ameaça de violência, incluindo privação de liberdade, movimento ou escolha pessoal; engano, que pode ser das condições de trabalho, a natureza do trabalho, entre outras; abuso de autoridade ou de posição dominante, considerando o confisco de documentos com o objetivo de colocar a pessoa em posição de dependência, abuso de posição social ou do pátrio-poder, através da posição vulnerável da pessoa devido ao seu estado legal e escravidão por dívidas que pode ser realizada através de uso dos serviços pessoais ou de trabalho de uma pessoa para pagar o débito, cobranças indevidas ou supervalorizadas de produtos fornecidos ao trabalhador, duração ou natureza do trabalho sem limitações ou definições.  

A coerção deve ser interpretada de forma ampla, mesmo que a pessoa tenha consentido com as condições o Tráfico de Pessoas não está excluído. Muitas vítimas não são levadas a sério por terem concordado em trabalhar como prostitutas ou por já terem sido prostitutas no passado. As más condições de trabalho a que são submetidas e as informações enganosas dos traficantes são comumente insuficientes como prova do tráfico de pessoas.   

Além disso, estritamente falando, não é necessário que a exploração tenha acontecido, basta que a intenção do traficante seja a de trazer a pessoa para uma situação de exploração, mas para que isso seja comprovado geralmente é necessário que a exploração tenha ocorrido. A intenção é um elemento subjetivo e por isso difícil de ser provado.  

A pobreza e a falta de oportunidades são historicamente causas de emigração. O modo de vida precário e sem esperança fazem com que milhares de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, sejam vítimas do tráfico.

O aumento do tráfico de pessoas em determinadas regiões coincide com as dificuldades enfrentadas naqueles países. Kathryn Farr menciona, por exemplo, que o número de mulheres e meninas Albanesas trabalhando como prostitutas, na Itália, aumentou de 8.000 em 1998 para 20.000 em 2000.    

Nos países do Leste europeu, o aumento do tráfico de mulheres também coincide com a falta de empregos. Na Rússia, por exemplo, várias empresas fecharam suas portas, nos anos 90.

Kathryn Farr esclarece que, segundo pesquisadores, cerca de 95% das mulheres traficadas foram enganadas a respeito do tipo de trabalho para o qual estavam se candidatando.

As dificuldades econômicas e sociais são, dessa maneira, determinantes para que um determinado país seja “fornecedor”, assim como os países mais prósperos tornam-se os “receptores” das pessoas traficadas.

Para Conny Rijken, se fatores econômicos forem aceitos como causa do tráfico de pessoas, não haveria diferença entre o tráfico de pessoas e os refugiados econômicos. Além disso, o traficante iria se utilizar do conceito de coerção econômica para escapar de uma punição. Dessa forma, o autor estabelece que não se pode pensar em coerção econômica no tráfico de pessoas, tendo em vista que a mulheres e crianças são as primeiras a serem afetadas, o que as faz serem vulneráveis à pobreza. Nessas circunstâncias, o direito de liberdade e autodeterminação são facilmente violados.

A coerção deve ser interpretada de forma ampla, mesmo que a pessoa tenha consentido com as condições o Tráfico de Pessoas não está excluído. Muitas vítimas não são levadas a sério por terem concordado em trabalhar como prostitutas ou por já terem sido prostitutas no passado. As más condições de trabalho a que são submetidas e as informações enganosas dos traficantes são comumente insuficientes como prova do tráfico de pessoas.   

2.    IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE POLICIAL

Em todo o mundo, o trabalho policial é exercido por pessoas que fazem parte de um determinado grupo social, portanto possuidores dos estereótipos que lhes foram passados pelo grupo. As necessidades do público e sua demanda pelos serviços da polícia também irão determinar sua atuação, assim como a avaliação do público sobre a polícia. Entretanto, não se pode afastar as questões políticas que irão, algumas vezes mais, e outras menos, influenciar as prioridades do trabalho policial.

Além disso, as prioridades de investigação são determinadas pela importância dada ao crime, dessa forma, quanto mais policiais per capita existirem, maior a possibilidade de atendimento das solicitações. Em locais em que o número de policiais é mais reduzido, a tendência é que crimes considerados como mais importantes, devido a fatores culturais ou políticos, sejam aqueles que receberão maior prioridade.

O tráfico de pessoas é muitas vezes negligenciado, inclusive, pelos agentes públicos, pois socialmente não é uma das principais preocupações na maioria dos países, em que os homicídios, o tráfico de drogas e o terrorismo são prioritários.

Muitas vezes, a vítima deste crime é revitimada, pois é tratada como imigrante ilegal, o que ocasiona a falta de informações suficientes para que uma investigação ocorra, por conseguinte, impedindo uma melhora na prevenção ao cometimento do crime.

A falta de reconhecimento, por parte dos policiais, tanto do país “fornecedor” quanto dos países “receptores”, no tocante à importância do combate ao tráfico de pessoas, entre outros fatores, contribui para que os responsáveis não sejam punidos pela prática.

As questões de preconceito e discriminação sexual podem ser fatores a serem vencidos principalmente porque os agentes públicos não estão preparados para tratar de matérias relativas a violações aos direitos humanos, além da corrupção e da burocracia estatal tornarem a atuação do Estado difícil.

A prática de deportar as vítimas para os seus países de origem sem o consentimento verdadeiro faz com que essas tenham suas vidas em risco ou que sejam retraficadas, pois muitas enfrentam violência e morte, visto que, na maioria dos casos, os algozes não são responsabilizados judicialmente.

Por isso é importante que os governos forneçam imediatamente, para as vítimas estrangeiras, a proteção necessária para que, assim, os processos sejam mais fundamentados, e se leve os traficantes à justiça por meio de uma melhor cooperação da vítima e, por conseguinte, haja melhor chance de recuperação para as vítimas.

As mulheres correspondem a cerca de 55% dos indiciados por tráfico, atuando como aliciadoras, recrutadoras ou traficantes.  Dessa forma, para que o combate a esse crime possa ser otimizado, é importante que as mulheres policiais estejam cada vez mais aptas a atender esse tipo de ocorrência, não só para facilitar o atendimento às vítimas, mas também para que sejam evitados eventuais constrangimentos às mulheres que cometerem esse crime. Conforme o artigo 249 do CPP, a busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência, ou seja, apesar de não existir impedimento para que um policial masculino realize, por exemplo, uma busca pessoal, temos a convicção que, por mais respeitoso e profissional que este seja, provavelmente a presa preferiria a atuação de uma policial feminina, daí a importância de um maior número de policiais femininas atuando nessa especialidade.

O Projeto de Lei do Senado que foi aprovado recentemente traz medidas importantes para o aprimoramento ao combate a esse crime, pois estabelece que há necessidade de prevenção, repressão e de atenção às vítimas.

A possibilidade de concessão de visto ou de residência permanente às vítimas de tráfico de pessoas no território nacional, independentemente de sua situação migratória e de colaboração em procedimento administrativo, policial ou judicial, garantindo que o visto ou residência permanente possa ser concedido, a título de reunião familiar cônjuges, companheiros, ascendentes e descendentes; e a outros membros do grupo familiar que comprovem dependência econômica ou convivência habitual com a vítima.

O aumento da pena nos casos em que o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou quando o crime for cometido por funcionário público no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las.

No mundo contemporâneo existe a necessidade de se otimizar esforços para que os crimes transnacionais   sejam apurados e que ocorra redução desses crimes. Por isso, parece-nos correta a utilização da cooperação e de uma responsabilidade partilhada entre Estados para investigações e processos a fim de se combater os crimes transnacionais.

Nesse sentido, o Projeto de Lei estimula a cooperação entre órgãos do sistema de justiça e segurança, nacionais e estrangeiros, além de permitir que medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, sequestrado ou declarado indisponível.

Os conceitos a respeito de crime transnacional na Convenção de Palermo já são utilizados, assim como o próprio conceito de crime organizado, segundo a Declaração Política e o Plano de Ação Global de Nápoles, desta forma é possível ampliar as medidas que facilitem a cooperação internacional e punição de responsáveis que eventualmente estejam em dois ou mais países.

Para que haja sucesso na persecução criminal, o princípio da territorialidade não pode ser aplicado de forma estrita, pois as investigações e processos de crimes transnacionais ou internacionais tornam-se impossíveis. Assim, a melhor interpretação para determinar o lócus delicti é a da ubiquidade em que o lugar do crime é considerado todo aquele em que houve uma parte do crime exaurida, desde que aquela conduta seja punida por si mesma.

O princípio da nacionalidade estabelece que a nacionalidade do criminoso seja definitiva para estabelecimento de jurisdição. Em geral, esse princípio só é utilizado quando o Estado em que ocorreu o delito não chamar para si a jurisdição e a ofensa for grave. Isso significa que o efeito da lei nacional não está limitado ao território de um Estado, mas pode ser operacionalizada fora dele também. Outro exemplo dessa possibilidade é o princípio na nacionalidade passiva, em que o Estado pode solicitar a jurisdição em razão de a vítima do crime ser um nacional. Entretanto, é apenas excepcionalmente utilizado, pois presume-se que o indivíduo é protegido pelo Estado que o está acomodando. Poderá ser utilizado este princípio se a proteção ao nacional não foi garantida, se a liberdade ou a vida do nacional estiver em perigo  

CONCLUSÃO

Assim como o Brasil, que antes era um país “fornecedor”, tornando-se um país “receptor”, principalmente de pessoas advindas da América do Sul durante as décadas passadas, a crise econômica que é enfrentada pelo país, impõe às autoridades encarregadas na prevenção e punição deste crime uma maior vigilância, a fim de evitar o aumento de casos de brasileiros que possam ser vitimados. Como foi visto, as questões econômicas estão associadas à vulnerabilidade e à vitimização.

O Brasil tem avançado em medidas que promovam a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas, mas as medidas que irão entrar em vigor caso o Projeto de Lei do Senado seja sancionado serão um novo passo que permitirá uma maior proteção às vítimas e a punição dos responsáveis.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Justiça. Diagnóstico revela destinos das vítimas de tráfico de pessoas. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2012.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2009. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/justice-and- prisonreform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ__ Portuguese1.pdf>. Acesso em: 05 out. 2012.

BRASIL. Ministério da Justiça. Diagnóstico revela destinos das vítimas de tráfico de pessoas. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2012. FARR, Kathryn. Sex Trafficking. The Global Market in Women and Children. New York: Worth Publishers. 2005.

RIJKEN, Conny. Trafficking in Persons. Prosecution From a European Perspective. The Hague. T.M.C. Asser Press, 2003

SENADO.Quadro comparativo do Projeto de Lei do Senado nº 479, de 2012. (nº 7.370, de 2014, na Câmara dos Deputados). Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/161378.pdf>. Acesso em 18 de setembro de 2016.

SERPA, Monise Gomes. Exploração Sexual e Prostituição: Um Estudo de Fatores de Risco e Proteção com Mulheres Adultas e Adolescentes. Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Koller. UFRGS, Instituto de Psicologia. Março, 2009. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000711590&loc=20 09&l=daa7114d9ddb0171>. Acesso em 22 de junho de 2011.

UNITED NATIONS. Office on Drugs and Crime. United Nations Convention Against Transtional Organized Crimes and The Protocols Thereto. Disponível em: <www.unodc.org/documents/treaties/UNTOC/Publications/TOCconvention/TOCebook-e.pdf>. Acesso em 13 de agosto de 2012.

_______ *Daniela Pereira Lucht é Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2013). Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba (1996). É Escrivã de Polícia Federal - Departamento de Polícia Federal (desde 2003). Tem especialização em Recursos Humanos (1999), Estudos de Políticas e Estratégias de Governo (2001) e em Direito do Trabalho (2001). Atualmente cursa Doutorado em Direito na UFRGS. 

OUTRAS NOTÍCIAS

Levantamento alerta para direitos do servidor público estudante

1ª Turma mantém júri do caso Villela

Agente da PF ganha direito de remoção após ser vítima de assédio

Texto da reforma da Previdência é aprovado na CCJ